"é uma miragem paradisíaca no deserto. é como.. uma distopia maravilhosa e até meio repugnante. sabe aquele tipo de decandência luxuosa? foi assim que me senti. "
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em outubro de 1971, quando eu ainda flutuava pelo cosmos como uma estrela-do-mar que boia na superfície do oceano após se perder do caminho do paraíso, ninguém tentou compreender meu coração.
não consigo pregar sobre coisas bonitas nos últimos tempos, não como antes. minha garganta não se abre como antes. parece que me pôs de castigo, porque eu encosto a boca na garrafa, minha língua borbulha e se enrola no céu da boca; o mel ferve, queima, queima, pega fogo, e quando me sinto finalmente pronta para engolir litros e litros do líquido cor-de-rosa, pronta para explodir o meu estômago cheio de estrelas-cadentes, eu volto a 1971, com água do mar salgada queimando minhas bochechas.
a única vez em que uma estrela do mar decidiu que queria ouvir algo além do oceano, ela perdeu a habilidade de falar e velejou perpetuamente por ondas cristalinas como se presa num feitiço eterno onde o afogamento é apenas um sonho muito, muito distante e impossível.
existe uma distinção muito tênue entre todos os polos opostos; anjos e demônios, pele e ossos, astros e crustáceos. para um ser que nasceu & cresceu & morreu numa jaula de vidro, o mundo inteiro se racha diante de seus olhos, e ainda que encoste as bochechas nas grades da cela estique as mãos em direção à fechadura, os prisioneiros do oceano sempre serão alienados indubitáveis.
esse coração pontiaguado, moldado numa rosa dos ventos, com seis pontas finas como espadas, ele precisa tomar cuidado para não estourar a bolha do próprio peito.
cessar o tambor rítmico do silêncio, se afundar no chiado da saudade, "shhhh", ele sussurra, e então você consegue finalmente compreender como anjos e demônios engolem copos inteiros de ideologia nebulosa-planetária, e ainda que luas e sóis escorram no caminho dos seus queixos, eles encostam os lábios e sussurram "eu te amo".
é como milhares de nuvens de fumaça ricocheteando poeira numa imensidão azul.
é como beber óleo diesel e se embriagar, mas continuar sentindo o sabor da gin tônica.
a liberdade não passa de uma estrela cadente aquática. (se é que você me entende).
é como ser engolido pelo sol.
a única diferença é que ela nunca encontra o paraíso.