Prólogo
O céu na recém-batizada rodovia Ayrton Senna parecia estar ficando cada vez mais hostil aos olhos do doutor Alberto Gonçales, que acelerava seu Santana vermelho à quase 170 quilômetros por hora na faixa da esquerda. Os vidros estavam fechados e havia música clássica no último volume do aparelho de som, como se de alguma forma pudesse distraí-lo do medo e do nervosismo que tomavam sua mente naquele momento.
Alberto tinha aparentes 30 anos, cabelos escuros num corte curto e discreto, olhos castanhos e barba por fazer. Apesar de jovem, o doutor apresentava rugas e olheiras profundas no rosto, como se sono e descanso fossem um luxo não desfrutado há muito tempo. No jaleco branco que vestia, o bordado do Hospital Municipal de Santa Estefani parecia lhe encarar e cobrar mais rapidez na viagem.
Nuvens negras engrossavam o céu e relâmpagos as cortavam seguidos do ribombar de trovões temerosos, um atrás do outro, que davam a impressão de que raios se chocavam contra a terra ao longe e faziam a própria estrada tremer. Mas nenhuma gota d’água caía. A chuva parecia estar de greve.
Não pode ser coisa boa, não pode ser coisa boa, pensava o doutor, repetindo mentalmente a frase, nem um pouco seguro do que estava prestes a fazer. No entanto, o pé no acelerador continuou firme e os braços endurecidos para segurar o volante. O doutor lançava com frequência faróis altos a todos os carros que seguravam a pista em velocidade mais lenta. Enquanto avançava pela estrada, os olhos dividiam a atenção entre a pista e o relógio no painel do Santana, que marcava aproximadamente 17:30. Meu Deus, por favor... preciso chegar logo.
O Santana do doutor Alberto saiu da Ayrton Senna, percorreu mais alguns quilômetros pela Dutra e pegou uma saída um tanto escondida após passar por São José dos Campos, indicando acesso a cidade de Santa Estefani.
Contornando o viaduto de acesso, o doutor sentiu-se mais aliviado: estava em sua cidade outra vez. Os poucos prédios construídos e aglomerados no centro da cidade possibilitavam ampla visão para os quarteirões de casas e sobrados de telhados vermelho e preto, enfileiradas por entre as ruas planas. Bosques adornavam os contornos da pequena cidade, e dois grandes lagos cortavam as regiões norte e sul, formando enormes parques em volta.
Passando pela avenida principal da cidade, o doutor Alberto percebeu, mesmo que muito concentrado no caminho, o movimento dos moradores, que ao invés de irem para os parques ou bares da cidade como era de costume numa sexta-feira de verão, corriam depressa para suas casas, munidos de seus guarda-chuvas. O céu continuava fechado, os relâmpagos e trovões eram ainda mais fortes, mas ainda assim, nenhuma gota d’água havia se atrevido a molhar o chão.
O médico guiou seu carro até o centro ainda em alta velocidade e o estacionou na rua, em frente ao hospital municipal. Visto de cima, o hospital era um enorme conglomerado construído em um terreno circular, com oito grandes galpões ligados a uma cúpula central.
É um parto como todos os outros, eu só preciso fazer direito, Alberto tentava se convencer em seus pensamentos. Mas ele sabia que aquela noite seria diferente - e muito mais complexa. A criança que estava tratando a nove meses não tinha apresentado bons resultados durante o pré-natal. Qualquer erro poderia ser um desastre, ainda mais sendo a quarta cirurgia cesariana que a mãe faria desde que engravidara pela primeira vez. Era um parto prematuro, e a mãe se encontrava internada no hospital há mais de um mês. Tanto ela quanto a criança corriam sérios riscos de não sobreviver aos procedimentos e o pior de tudo: o pai era um grande amigo, alguém que estava dependendo de Alberto e confiava cegamente no obstetra que ele era.
Mas seria só isso? Eram só os procedimentos, os riscos e as condições da paciente que estavam assutando ao doutor? Ele acreditava que não. Havia algo mais acontecendo no mundo - algo muito importante - e ele não sabia o que era. E aquele céu escuro e trovões assustadores pareciam corroborar com suas teorias conspiratórias.