Imagine o mais vasto oceano. Da água mais cristalina possível. Imagine os seres que vivem nesse oceano, plantas, corais, peixes e muitos outros.
Agora imagine, um barco. O mais simples de todos, com pás para remar. Imagine você nesse barco, remando por dias, pois não existe noite, e você rema até seus braços ficarem exaustos a ponto de você quase não sentir eles. Até que você percebe uma coisa, uma coisa que você não deveria notar. Jamais deveria ter percebido. Agora, eles vão te perseguir.
O que era um dia de sol escaldante, agora vira uma noite fria e sem vida, tão fria que a água começa a congelar em todo o oceano, deixando seu barco incapacitado. Você também fica incapaz.
Você está com roupas de verão, apenas usando um shorts e uma regata. O frio congelante te consome rapidamente, e em poucos minutos, você terá hipotermia. E em algumas horas, estará morto. Algo te chama atenção, um barulho extremamente agudo toma conta do oceano, fazendo com que a camada espessa de gelo comece a rachar, e o som te força a tapar os ouvidos com toda sua força restante. Mas não é o suficiente.
O barulho se torna cada vez mais incessante e agora, luzes surgem no horizonte escuro da noite, que parecia ser eterna. Luzes verticais de tons vermelhos, na maior intensidade possível. As luzes te obrigam a desviar o olhar e a fechar os olhos. Mas não é o suficiente, elas parecem penetrar em suas pálpebras e queimar sua visão. Você começa a se contorcer de dor no chão do barco, e após alguns minutos se contorcendo e gritando de desespero, e clamando por ajuda...Tudo para.
Simplesmente acaba.
O som cessou. As luzes já não existem mais. E a temperatura volta ao normal. Mas a noite que você pensava ter ido, ainda está alí.
Uma risada ecoa pelo oceano. Ela te faz estremecer, te faz querer correr dalí. É a pior risada que já ouviu, carregada de malícia e ódio. Chegava a ser psicótica. E em poucos minutos ela se transforma em um choro. Ele também te traz a mesma sensação. Um choro de dor e sofrimento.
Imagine perder tudo de mais importante para você na vida. É a mesma coisa.
E em meio ao choro, gritos estridentes tomam conta do oceano e ecoam por toda sua extensão, os gritos também são de sofrimento e dor, mas tem raiva neles também. Tem ódio. Mas isso não é o pior, você sabe quem está gritando, e você sabe como ajudar, sabe que tem que ajudar. Se não essa pessoa vai embora. Embora para sempre, e você nunca mais vai ouvir os gritos.
Então esse ciclo de risadas macabras, choros de dor e gritos de ódio se repetem em um looping infinito, enquanto, a temperatura aumenta cada vez mais, junto com a temperatura da água, fazendo o oceano borbulhar e soltar fumaça de tão quente. Você já não aguenta mais se manter em pé, tudo aquilo é demais para você. A temperatura, as vozes. Tudo.
Então você cai.
Mas não existe mais barco, e você afunda no oceano insuportavelmente quente. Você se debate de dor enquanto se afoga, querendo voltar a superfície mas você não sabe mais nadar, e sua pele queima, até ela deixar de existir. E seu corpo continua afundando e afundando, queimando e queimando.
Camada por camada. E você sente toda dor. Você sente ela em cada centímetro do seu corpo, cada vez mais intensa. Cada vez pior.
Enfim chega no seu esqueleto. Não era pra você sentir aquilo, mas você sente. E você ainda escuta as vozes, e ainda vê as luzes. Sim, elas voltaram, e ainda piores.
E quando seu esqueleto bate no fundo do profundo oceano, você não sente mais nada. Você não ouve mais nada. Você não vê mais nada. Você já não é ninguém.
Você já foi esquecido. Lá no fundo do oceano.
Você já não tem mais um barco. Um barco para se apoiar.
Você já não existe mais. Ninguém sabe que existiu.
Consegue sentir o vazio?
Consegue imaginar?