único

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ué cade meu corpo?
lembro-me de ter deixado ele em cima da cama, repousando até que eu voltasse.

girei pelo quarto, não o achei, estranho
olhei dentro do guarda roupas, na escrivaninha, até mesmo embaixo das cobertas

nada, não havia nada!

sai então por outros cômodos,
fui até o banheiro, passei pela cozinha

cheguei a sala, onde jaziam uma família feliz assistindo a novela, enquanto um cão brincava a seus pés

não me viram, que novidade!

ainda sim me atrevi a questionar:

- ei, me viram por aí? com a mesma aparência de sempre, cabelo ralo, barba por fazer, olhos cansados?

mas nada responderam, nem mesmo se mexeram, talvez não tenham me escutado ou apenas não queriam perder o que se passa no tubo a frente deles.

continuei meu caminho porta a fora, fazia frio eu sei, mas não sentia, caminhei por vielas, vi mendigos com seus cães dormindo, prostitutas nas esquinas, crianças pedindo dinheiro no semáforo.

eu gostava dessas pessoas, elas me viam sempre que eu passava, me perguntava como eu estava e se finalmente eu iria fazer a barba.

perguntei a Jackeline uma das prostitutas mais legais dali:

- ei Jackie, me viu por aí? tô procurando pelo meu corpo

ela esticou um chiclete antes de me responder

- hii chegou a essa fase, sinto muito Olavo, mas não vi - disse com pesar - já desisti a muito tempo de me procurar, espero que você se ache

achei estranho, quem é que se cansa de procurar o próprio corpo?

não questionei mais nada há ela, já havia mudado seu foco de mim a um possível cliente, um bancário casado.

passei a caminhar pelas ruas sujas, chutei uma latinha vazia, o barulho ecoou pela madrugada vazia ainda que muitos perambulavam por ali.

eu sentia fome, lá no fundo, como se fosse cócegas, mas nada fiz, o impulso de comer a muito tempo já havia me deixado.

cheguei até o parque, em um banco específico dormia seu Manoel, enrolado com ele um cachorro magro que só, fediam a solidão e pinga barata, invisível como eu.

- não vou dividir minha bebida, vá embora - disse quando escutou o cachorro rosnar - saia daqui antes que se torne como eu

com um olho aberto e outro fechado me observou sentar ao seu lado.

- sabe o que é? creio que já me tornei como você faz tempo - suspirei enquanto olhava pro céu - mas ainda busco por meu corpo que deixei em minha cama, semana passada

Manoel deu risada, agora ele estava sentado enquanto dava o pouco de comer que tinha pro cachorro sarnento.

- se perdeu não foi garoto? que pena, tão jovem, ainda poderia desbravar o mundo como queria a alguns anos atrás

olhei pra ele incrédulo

- como assim anos atrás? me recordo que foi na semana passada, estou a pouco tempo assim oras

nunca vi Manoel dar risada com tanto gosto, mas vi que seus olhos tinham apesar de tudo.

- pobre garoto, está mais perdido do que eu pensei

não disse mais nada, não explicou nada, apenas saiu empurrando seu carrinho de supermercado velho pela praça, atrás de comida ou água, quem sabe.

minha cabeça estava bagunçada, tudo um embaraço e esfumaçado, como fiquei assim?

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