Seu peru é grande e bonito

34 9 11
                                    

O último natal que eu comemorei como se fosse natal e não como um dia qualquer do ano, foi antes de meus pais se separarem. A separação deles não teve nada a ver com a morte do meu espírito natalino, não diretamente pelo menos. A verdade é que minha mãe não é nem um pouco natalina, então morar somente com ela após a separação me fez pegar o hábito de não ligar para o natal. O ano novo sim era algo que eu comemorava, já que passava ele com a família do meu pai, mas esse ano minha mãe decidiu viajar com o meu padrasto durante o feriado e eu fui para a casa do meu pai.

E é por esse motivo que eu estou nesse momento indo até o mercado fazer compras de Natal. Observo meu pai concentrado dirigindo o carro, a aparência dele não condiz em nada com a personalidade. Quem olharia esse barbeiro tatuado, musculoso, com gel no cabelo e barba perfeitamente penteada e diria "Tá aí um doce de pessoa"? Ninguém diria, por isso eu acho completamente estranho quando ele diz animadamente:

- Será que você vai gostar do presente que o Papai Noel trouxe pra você?

Assustadoramente, eu imagino que ele esteja chamando a si mesmo de Papai Noel, já que o meu presente foi comprado por ele. Mas tiro isso da cabeça antes que ela exploda.

- Papai Noel não existe. Eu sei que você comprou meu presente. - disse com cuidado para não magoa-lo, ele é sensível até demais.

- Eu acredito que ele existe.

O encarei esperando uma risada contida, um olhar zombeteiro ou qualquer outro indício de que ele estava brincando, mas tudo o que eu vi foi despreocupação.

- Você está me dizendo que acredita num velhinho gordo vestido de vermelho, que invade nossa casa pela chaminé pra nós dar meias? Por Deus, homem, nós moramos no Brasil, não temos chaminé!

Ele riu e disse logo em seguida:

- Na verdade, eu acredito que ele seja uma energia.

- Energia?

Esse homem só pode estar louco.

- Sim. Tenho pra mim que essa energia dá um sinal de o que comprar pra dar de presente.

- Aí você vai lá e dá meias.

- Eu esqueci de mencionar que meias são punição pelo mal comportamento.

- Ou meias são simplesmente o resultado de pessoas que não sabem escolher presentes.

- Credo, Lola, cadê seu espírito de Natal?

Ele fazia biquinho, claramente fazendo birra e esperando que eu me rendesse a toda essa história de energia. É claro que não o fiz, ao invés disso peguei meu celular para ver publicações no facebook. Depois de um tempo desliguei o celular revirando os olhos, eu estava cansada de todas as publicações virem com legendas que autodenominam o autor do post como memeiro. Tipo "Olha aqui meu meme hur dur eu sou memeiro kk". Quem inventou que cigarro dá câncer não conhece esses posts.

O carro parou e eu visualizei o mercado logo a frente do estacionamento. Segui meu pai até a entrada e me surpreendi quando ele puxou dois carrinhos, sendo um deles pra mim. Me surpreendi mais ainda quando ele disse que eu cuidaria de uma parte da lista, pra pouparmos tempo. Desgostosa de ter que andar sozinha pelo mercado, fui para o lado oposto do de meu pai em busca do primeiro item da lista: o peru.

É claro que a celebridade do natal não deixaria de dar show, entretanto eu não era uma fã desse artista magnífico, então fiquei muito satisfeita que haveria frango assado também. De frente para o freezer com diversos perus, percebi que não entendia nada de como escolher um peru, então concluí que:

- É só levar qualquer um mesmo.

Antes que eu pudesse pegar qualquer um, senti um cutucão no meu ombro e me virei para ver um funcionário do mercado. Mas não era um funcionário do mercado, era O funcionário do mercado. Seus cabelos eram castanhos acinzentados e pareciam tão macios que quis passar a mão, os olhos pequenos e castanhos se escondiam por trás de um óculos quadrado e preto, mas o melhor de tudo era a boca. Uma boca cheia e bem desenhada, o tipo de boca que fica linda quando esprememos as duas bochechas, e fica bem vermelhinha quando se toma sorvete. Definitivamente é o tipo de boca que deveria tocar a minha.

- Desculpe incomodar, é que eu escutei que você ia escolher qualquer peru. - sorriu com as bochechas coradas após falar.

- E...?

Me arrependi após falar, eu estava sendo grossa com alguém que eu deveria amassar feito um pãozinho.

- E eu não posso deixar você fazer isso! - disse num fôlego só - Vem, eu te ajudo a escolher.

Então fiquei lá observando ele olhar peru por peru, cuidadosamente como se estivesse tentando encontrar um diamante no meio de um monte de vidro. Isso me deu chances de observa-lo mais, ele tinha alguns centímetros a mais que eu e era um magro gostoso. As veias saltavam de seus braços, cujos pelos estavam arrepiados pelo frio do freezer.

Era definitivamente o que eu queria de Natal.

- Aqui está! - disse ele heroicamente puxando um peru que, na minha opinião, era igual aos outros.

- Oh... - soltei não sabendo reagir.

- Desculpe por fazer isso, é que eu gosto tanto de natal que jamais poderia deixar que um dos símbolos dele fosse escolhido de qualquer jeito. - disse colocando o peru no meu carrinho.

- Ah, tudo bem... - eu ainda não sabia como reagir.

Ele se encolheu com vergonha, então decidi falar alguma coisa que soasse de forma simpática.

- Muito obrigada pelo peru. Seu peru é... - olhei pro carrinho tentando achar um adjetivo pro peru - Seu peru é grande e bonito.

Então me toquei do que eu disse e antes de eu pedir desculpas ou fugir, ele riu. E assim como ele sua risada também era gostosa. Minhas bochechas aqueceram e esperei enquanto ele ria.

- Eu nunca mais vou precisar de presente de natal depois dessa frase. - disse sorrindo.

- Eu juro que não quis dizer isso. - suspirei - Eu não entendo nada de natal e não sabia o que dizer do seu, digo, do peru que você escolheu.

- Então eu imagino que você queira ajuda pra comprar o resto dessa lista.

- Você imaginou certo!

Embora o resto da lista fosse coisas simples como macarrão e batata, arrastei ele comigo em direção ao corredor onde ficavam as massas.

Compras De NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora