Cabelos Arco-Íris

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"Caramba, ela falou comigo..." Penso, sorrindo enquanto abro a porta de entrada de casa. Meus pais ainda estão trabalhando, já que nossa renda encurtou muito nos últimos tempos.

- Alice?- Pergunto, minha voz soando fina demais na casa vazia. Talvez ela também tenha ido trabalhar, ou até mesmo saído por um tempo. Suspirando, caminho pelo corredor estreito que leva até meu quarto, ignorando todas as paredes manchadas e quebradiças, ou até mesmo as teias de aranha. 

Nossa família sofreu muito desde que saímos da Nova Zelândia. Meus pais não tinham emprego, eu e Alice éramos duas ranhentas que não serviam para nada e, pior: não sabíamos falar coreano. Tudo aconteceu por conta de uma proposta de emprego falsa - não me lembro de praticamente nada sobre isso, era apenas uma criança.

Quando chego em meu quarto, já sinto o cheiro de mofo e corro para abrir as janelas. Eu realmente amo chuva, mas ela geralmente só atrapalha a família Park, seja arruinando as plantas do jardim ou até mesmo molhando as paredes de casa. Balanço a cabeça, olhando para a paisagem cinzenta pela janela. Mamãe sempre me disse que qualquer Deus que nos governe sabe o que faz, mesmo que achemos completamente errado. Mas, afinal, quem sou eu para entender esse labirinto infinito, esse universo completamente louco?

Sempre dizem que felicidade de pobre dura pouco, e realmente acredito nisso. Afinal, toda a alegria que senti com a conversa de antes minava, quase desaparecendo na chuva cinzenta que destruía meu jardim e minhas paredes manchadas pelo tempo. Me jogo na cama desarrumada, com os lençóis brancos sujos de tinta e caneta, lar de meus desenhos que fiz em madrugadas silenciosas e noites misteriosas. Não temos dinheiro para comprar roupas de cama novas, mas não é como se eu me importasse de usar essas colchas: elas têm um significado especial, são as únicas que sabem como progredi nas pinturas e sabem o quando eu sofri, chorei e solucei. Além disso, combinam bastante com a atmosfera do quarto.

Durante algum tempo, foco apenas em tentar entender a matéria de hoje. Apenas sento lá, nos lençóis manchados, cercada por cadernos, livros e estojos, enquanto minha mente tenta compreender tudo aquilo. Me sinto exausta, mas o que mais preciso no momento é progredir, andar em direção ao meu futuro. Então, tento ignorar as distrações e deixo minha mente mergulhar no universo mágico da medicina.

***

Hoje, graças aos céus, não estava chovendo. Nossas plantas estão salvas! 

Eu seguia pelo canto da estrada, dirigindo minha bicicleta florida. Ainda estava frio, a brisa gélida batia em meu rosto e bagunçava meus cabelos, que faziam cosquinha em minhas bochechas. Pedalo por alguns quarteirões, ainda pensando na conversa do dia anterior, no modo em que Lisa sorriu para mim... Ah, como é que uma simples paixão platônica pôde fazer isso comigo? 

Finalmente, paro no estacionamento da escola e pego meu celular, procurando por alguma mensagem. Assopro a franja que cai sobre minha testa e, pelo canto dos olhos, avisto Jennie. Corro até ela, sorrindo e quase tropeçando no corredor.

- Bom dia, tábua!- Ela diz, arrumando meu cabelo.

- Bom dia, Nini. E aí, como está?- Pergunto, enquanto subimos as escadas em direção à sala de aula.

- Nada de novo, o que acha de sairmos algum dia desses? Você nem sai de casa mais, tá precisando curtir.

- Desde que não envolva bebidas, drogas e coisa do tipo. Você tem que parar de me levar para o lado negro, Jennie.

- Eu não estou te levando para o lado negro, tonta. Sabe quem está? Ela.- A morena para e aponta para alguém em meio à multidão. Eu abro minha boca, em choque: a Lisa pintou o cabelo! Agora, ao invés de estarem cor de ébano, os fios têm uma coloração alaranjada. Sorrio, acenando para ela, que sorri de volta. 

- Ela tá muito linda...- Sussurro. 

- Deixa de viadagem. Vem, a aula já vai começar!- Então, a morena me puxa para longe do mar de pessoas em direção à sala, onde sentamos no mesmo lugar de ontem. Na fileira ao lado da janela, penúltima e última carteira. 

Hoje, a professora é a mesma. A mesma que não sabe me ensinar nada e que odeia nossa turma. Que ótimo!

A aula parece durar muito mais tempo do que o normal. Observo o relógio de ponteiro girar, completando várias voltas, observo a paisagem clara lá fora, o céu cor de rosa começando a alcançar um tom alaranjado, observo os rabiscos e desenhos na mesa verde onde me encontro. Observo tudo. Meus olhos captam diversos detalhes: o ninho de passarinhos no parapeito da janela, a árvore cortada do outro lado do pátio, a mancha no vestido da professora. Não há nada de interessante aqui, nada além dos cabelos de Lisa. Sei que a cor é laranja, mas sinto como se houvesse uma explosão de tons, um arco íris invejável. Noto também que ela veste uma camiseta de Mozart, "Amadeus" estampado em seu peito. De repente, quando o relógio completa sua terceira volta, sou puxada de volta à realidade por Jennie, que me arrasta até o pátio para o recreio. Parece uma grande jornada, descer os vinte e três degraus da escada e correr pelo corredor estreito, em direção à cantina, só para comer algo. Tudo bem, o lanche da dona Rô é incrível, não posso negar. 

Saímos de lá com dois pães de queijo e uma garrafa de suco de uva. Nos encontramos com Jisoo no caminho e seguimos em direção ao gramado, onde podemos comer ao ar livre e falar besteira sem que ninguém nos ouça. Jennie diz mais uma vez sobre minha paixão, e nós três rimos. Por que eu não consigo me controlar? Afinal, é só uma paixão... Uma paixão que está andando em minha direção. Meu santo caralho, ela está andando em minha direção.

- Oi, Roseanne. Eu, é... Posso falar com você por um instante?- Ela pergunta, olhando para o chão. 

Saio de lá antes que as duas comecem a me fazer passar vergonha. Me encosto numa árvore, olhando para o rosto de Lisa, que começa a falar, baixinho.

- Sinto muito por ontem. Eu fui meio babaca.

Eu, que não havia notado nada de estranho, devo ter feito uma cara muito confusa, já que ela me olhou estranho.

- Ah, você não se importou? Que bom, eu já estava me sentindo super escrota. É que eu te deixei naquela chuva, sozinha, devia ter oferecido uma carona.

- N-não foi nada. Eu não me importo de andar na chuva, é... Terapêutico.- Digo, sorrindo torto. Lisa sorri de volta.

- Você só está dizendo isso para que eu me sinta melhor. Mas o que acha de eu te dar carona amanhã? Vi que hoje você veio com sua bicicleta, então...

Foram com essas exatas palavras que eu surtei. Sorri abruptamente e concordei, esperando para que ela finalmente se afastasse para que eu pudesse me recuperar. Me encostei na árvore, respirando fundo e sentindo meu coração bater. Lalisa, uma deusa grega, a versão feminina de Morfeu, acabou de oferecer-me uma carona. Pois é, minha vida está se tornando um romance americano mais cliché possível!

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⏰ Última atualização: Dec 18, 2019 ⏰

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Cliché: A Chaelisa FanfictionOnde histórias criam vida. Descubra agora