Texto 01: Só peço que tente não me magoar
Data: 23 de novembro de 2019Era mais um dia desses de domingo. O sol não ardia mas ainda proporcionava feixe de luz que a princípio é difícil saber a hora certa do dia. Iluminava as paredes da casa, os muros do quintal e atravessava a água até o fundo da piscina, onde meus pés estavam submersos.
Sentado em uma cadeira de praia com os pés dentro d'água, eu encarava o muro de tijolos e o espionava. Não cruzava muito seu olhar porquê eu aprendi esperar dele uma expressão "eu gosto de você" do que ouví-lo realmente dizer (ele quase nunca dizia coisas assim) e soar tão pretensioso.
Estivemos afastados quase dois meses, mais de um mês para ser exato. E quando começamos a sair, eu sabia que não seria "sério", não duraria para sempre e não passaria a linha do que é o casual. Por que senti falta dele nesses dias sem ele? Não sei, para alguém que tem "um pé atrás" por novidades, até que me acostumo fácil com rotinas.
Eu usava um short azul desses de jogar bola, ele usava outro tom mais escuro do azul. Só deus sabe que a cada vento que vinha das folhas das árvores ao nosso redor do quintal, que tocavam meu corpo, eu queria que fosse ele vindo e deitando em cima de mim. "Tire meu shorts a qualquer momento". Não que eu estivesse desesperado por um beijo onde é difícil negar, afinal, da mais íntima intimidade que há para mim - sexo e confiança - me bastava deixá-lo entrar e fazer parte de um domingo com minha família.
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Eu queria conversar, mas era como querer dar corda para me enforcarem. Tinha que enrolar assuntos banais e corriqueiros, quase para fugir de uma ameaça eminente dele me magoar. Eu queria ir mais fundo, não só na carne dele, só que nele como num todo, conhecer mais, entender mais seus jeitos, manias e gostos. Não sei como funciona em sua mente. Talvez ele nos ache casuais demais para dividir coisas assim, apenas vamos conhecendo. Não sei se ele tinha uma genuína vontade por magoar, se ele foi tão magoado ou aprendeu isso para sobreviver, pior...se ele me achava tão forte e firme que acreditava não poder me ferir. Porém feria. Minha fraqueza era gostar dele e esperar que ele percebesse sem maltratar-me.
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O chamei para irmos comprar refrigerante. Era uma desculpa para pegá-lo no corredor que ficava do portão para o quintal. Ficar contra parede enquanto ele vinha. Me alimentava de seus lábios e apertava seu corpo, tateando cada marca escondida pelas roupas e talvez, na alma. Eu não estava apaixonado, não nego ou confirmo com orgulho, apenas digo. Porém isso não evitava amar a sensação naqueles instantes e com aquela pessoa. Ele me beijava e acalmava uma guerra na minha cabeça.
Minutos depois, fomos a barraca e voltamos. Esperei tanto por aqueles beijos, me perguntei tanto se simplesmente teríamos nos afastado. Me perguntei sobre cada pessoa que ele e eu tínhamos falado, querido e transado nessas semanas. "Será que eu sou o que sobrou? O que mais fácil restou para gastar um dia de domingo?". Eu sou alguém inseguro, mas mesmo em seus braços, não me sentia seguro. Pois me sobrava tomar atitudes, vigiar quem poderia nos espiar e pedir silêncio quando ele estava a beira de acabar com o momento a uma simples frase dita para não perder uma piada ou referência mas de mãos abertas para perder um cara...eu.
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Vou lembrar desses instantes a semana toda, talvez mais, talvez ainda mais se esses forem os únicos que tivemos uma troca de afeto tão tranquila e ainda tão poderosa. Vou lembrar da minha avó o contando histórias sobre mim, lembrar dele fazendo concha com as mãos e me molhando para reforçar que implicar é um modo de estreitar qualquer laço que esse dia tenha lhe causado... eu só queria estreitar meu corpo no dele.
Ele vai dizer algo sobre alguma garota que elogiei no instagram. Vou dizer algo como "eu morro a cada segundo e vivo a cada instante que se faz" porquê amo inventar desculpas que parecem paqueras. Também amo o formato da sua bunda e amaria mais se estivesse sentado no meu colo, falando qualquer coisa por uns bons minutos, sem parecer interessado em me provocar ciúmes ou me fazer parecer tão desinteressante que nem ciúmes sou capaz de fazer-te despertar
Seu corpo tão disposto na cadeira. Sua mente parece algum salão de qualquer palácio tão antigo e tão lustrado que um homem pequeno em tamanho e perspectiva feito eu, se perderia. Será que ele é meu teste? O quanto resisto a procurar métodos de evitar uma mágoa ou quase implorar para me dizer, cada pensamento, só para eu ter a certeza que na mente daquele que quero tanto beijar, sou algo além do que me sinto para ele?
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Algumas horas passaram. Ele precisa voltar para casa e cumprir as formalidades que uma família brasileira faz aos domingos. Tudo bem. Ele se despede, minha avó o pede para voltar e quase assume o quão feliz esteve com a nossa presença. "Da próxima vez ele vem sozinho e se for bonzinho, se lembra de me chamar" eu disse, esperando que ele entendesse cada palavra. Me conquiste. Fomos para o corredor, nos beijamos por mais alguns minutos, contra a parede da cozinha de alguém que já preparava a janta.
Não tem coisa mais gentil que alguém possa fazer. Do que me beijar e me conquistar. Mesmo sabendo que não vamos muito além disso, me conquistando, como se deixasse uma porta aberta e me preparasse para sempre ter uma desculpa com uma boa piada, para retornar.
Me conquiste, como alguém que sorri e ajuda outro que peça de forma velada na multidão, ajudando mesmo sabendo que será importante naquele minuto e depois não se encontrarão. Não posso calcular a generosidade e carinho em meu coração mas sei que quanto mais tiver, menos ainda cobrarei para alguém. Eu só peço que tente não me magoar.