Um copo de café. Dois. Três. Precisava ficar acordada. Olhos ardiam. As costas doíam.
Quatro copos de café.
A cafeteria ficaria aberta a madrugada inteira. Eu precisava ficar acordada a madrugada inteira. Cinco copos de café. A chuva caía lá fora, o frio me deixava cada vez mais sonolenta.O telefone toca, me assustando. O trabalho finalmente me chamava.
⁃ Oi - respondo num sussurro. Até minha garganta doía naquela monótona segunda-feira.
⁃ Olá Beatriz. Temos uma ocorrência. Suposto suicídio na floresta. A viatura irá te levar. Coma algo antes de ir. Vamos ter muito trabalho. - Era meu chefe me dando instruções para a nossa próxima perícia.
A cafeteria onde eu estava ficava próxima a meu local de trabalho, o Instituto de Criminalística, então, apenas paguei pelos cinco copos de café e fui andando até lá.Eu não poderia mentir, estava ansiosa pela chegada de um caso. Tinha passado horas esperando, mas, mesmo assim, estava quase morrendo de cansaço. Pedi ao universo forças para ficar acordada.
Chego no instituto, preparo minhas luvas, máscaras, lanternas específicas, bloco de notas, câmera fotográfica, e tudo que eu pudesse levar. Entro na viatura, que já estava a minha espera. O motorista sorri. Eu retribuo por educação, não queria ficar de papo furado aquele dia. Algo naquele dia me causava estranheza o suficiente para que eu ficasse o tempo inteiro calada.
Alguns minutos depois a viatura para. Vejo a movimentação de policiais em um local fora da mata. Desço do carro deixando o frio me invadir. Meu chefe vem ao meu encontro.
⁃ Quais são os detalhes do caso? - pergunto assim que ele chega mais perto. Seu rosto não está feliz.
⁃ Suposto suicídio. Rapaz de aproximadamente 28 anos. Foi encontrado por uma senhora que procurava pelo cachorro desaparecido na mata. O rapaz está com a suposta arma do crime ao lado da mão direita. Um buraco de bala na testa.
⁃ Tem alguma coisa estranha nisso tudo? Pra mim parece só um suicídio.
⁃ É isso que você irá descobrir.Respiro fundo. Desço até a mata sendo guiada por um dos policiais que ali estava. O caminho era difícil, me perguntava o porque de uma senhora ter ido procurar o cachorro ali.
Chego até o local. Havia outro perito. O cheiro de morte nos atingia, era difícil permanecer ali. Não só o cheiro me incomodava, eu podia sentir uma energia ruim nos rondando. Meu coração batia extremamente rápido, provavelmente por causa da quantidade de café que ingeri. Vejo o corpo, estava quase todo coberto de lama, com certeza havia tomado muita chuva devido a aparência da pele. Era um homem de aparência jovem, cabelos pretos curtos, pele branca, alto. Sequer havia muito á se descrever. Não era um cenário bom de se narrar. Mas, eu precisava agir. Começo meu trabalho. Depois de analizar o corpo, analiso o ambiente. Procuro pistas, sangue, pegadas. Mas a chuva realmente tinha dificultado meu trabalho. Se houvesse sangue visto a olho nu, teria sido limpo com a chuva. Se havia pegadas, também. Não tinha muito o que fazer ali. Pelo menos, havia uma equipe de novatos comigo. Como eu já tinha certeza da causa mortis - obviamente um suicídio - deixei que os novatos, empolgados com seus novos empregos, fizessem a maior parte do trabalho.Meu chefe chega a meu encontro, juntamente com os recém chegados. Eu peço para que os novatos coletem amostras do solo do local e pedaços das roupas usadas pelo cadáver. Todo o trabalho durou quase duas horas. A cada minuto que se passava, ficava mais difícil de permanecer no ambiente, e parecia que iria chover ainda mais.
- Acho que já temos o que precisamos. Algum de vocês sugere algum outro recurso? - O perito chefe perguntou, em uma reunião da equipe, após as coletas.
Ninguém teve coragem de sugerir. Todos queríamos sair dali.
Alguns minutos depois, estou de volta a viatura, pronta para começar meu trabalho analisando os materiais daquele caso. O corpo seria encaminhado para os médicos legistas. Meu trabalho com aquela pessoa já havia terminado.Em todos os meus casos, eu orava para que a o indivíduo morto tivesse uma boa passagem. Mesmo eu não acreditando muito, orei por aquele rapaz. Senti uma onda de alívio instantânea, eu poderia jurar ter ouvido um obrigado.
⁃ Perfeito, agora estou delirando. - sussurro para que meus próprios ouvidos ouvissem.
Meu telefone toca. Era meu chefe. Ele ainda estava no local.
⁃ Beatriz, todo o material foi coletado com sucesso. Eu mesmo irei analizar e enviar para o laboratório. Você está liberada. Pode ir descansar.
Nada tinha me feito ficar tão feliz.
⁃ Obrigada, muito obrigada mesmo. Irei te enviar um relatório sobre minha análise no local.
⁃ Ok. Mas durma primeiro. Se cuide.
Ele desliga.A viatura para e eu desço. Faço minha rotineira caminhada até o estacionamento. Dentro do carro, dirijo até minha casa.
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Eu morava em um apartamento, bem pequeno. Era limpo e cheiroso na maior parte do tempo, e naquele dia estava assim. Era o meu refúgio. Depois um plantão daqueles eu só queria ficar ali, deitar em minha cama e dormir. E foi isso que aconteceu. Vencida pelo cansaço, repouso. E repousando, sonhei.
Uma luz. Luz forte. Meus olhos ardiam. Depois de alguns segundos pude ver onde estava. Era um local bonito. Árvores, flores. Uma cachoeira ao fundo. Era o meu lugar dos sonhos. Literalmente.
Sinto passos a me alcançar. Viro-me e vejo uma pessoa. Era um homem. Alto. Sorridente. Usava uma blusa de manga longa preta. Calça jeans. Pele branca, cabelos pretos. Depois de alguns segundos analisando aquele homem, recuei.
⁃ Não é possível...você...
⁃ Estou morto? Era isso que você iria falar? - Ele sorri, não vejo sarcasmo em sua voz, ele apenas estava sendo amigável.
⁃ Sim. Sim...
⁃ Mais uma vez, obrigado pela oração que fez por mim. E pelo carinho que teve ao manusear aquilo que um dia foi meu corpo.
Eu estremeci. Aquele parado em minha frente era o suicida que eu havia periciado. De cara era impossível reconhecer, mas as roupas eram as mesmas.⁃ Eu preciso te pedir um favor. Eu quero que você prenda quem fez aquilo comigo. - A expressão dele agora era de tristeza. - Eu fui assasinado, de uma maneira tão fria, tão cruel. Eu tinha tanta coisa pela frente.
⁃ Então não foi suicídio? - pergunto. Minha cabeça estava confusa demais naquele estranho sonho.
⁃ Não. Eu fui assassinado. Mas não posso te dar detalhes agora. Só peça para que investiguem.
⁃ Você pode me dizer ao menos o seu nome?
⁃ Meu nome é Noah.
⁃ Noah. Certo. Beber café me faz ter pesadelos. Meu cérebro inventou até um nome pra você.
Ele me olha sério. Como se eu estivesse o fazendo perder tempo. Ele chega mais perto e sua mão esquerda pega minha mão, eu levanto a cabeça para olhá-lo. Descia sangue de sua testa, daquele mesmo buraco que eu havia visto no corpo. Sua mão era tão gelada quanto à do cadáver.
⁃ Só investigue, por favor. Beatriz. - A voz dele foi sumindo aos poucos.Quando acordei, parecia que havia acabado de escutar meu nome. Uma de minhas mãos ainda estava gelada.
⁃ É oficial - sussurro. - Eu estou ficando louca. Chega de plantões.Olho no relógio e são quase duas da tarde. Fico assustada pois não parecia que eu tinha dormido tanto.
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Mais tarde, meu celular toca.
⁃ Beatriz, preciso de você aqui. - Era meu chefe. Voz cansada. Provavelmente não havia dormido. - É sobre o caso de ontem. Sabemos a identidade do falecido, e a investigação não está a nosso favor. Bom, não posso dar mais detalhes por telefone, venha para cá agora.
⁃ Tem alguma informação sobre ele que você pode me passar? Por favor. Estou curiosa. - Tentei fingir naturalidade.
⁃ Noah Simons. Canadense. Estava no Brasil visitando os pais e de acordo com eles não tinha nenhum indício de que agiria contra sua própria vida.
⁃ Estou indo agora. - respondi automaticamente e desliguei o celular.
⁃ Eu não estou doida. - Quase gritei de medo e de alívio ao mesmo tempo.
Eu podia jurar que alguém ria de mim. Uma risada bondosa.Com medo, mas ainda assim acreditando em tudo aquilo, só consegui dizer:
- Você é real.

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Angels Like You
ParanormalBeatriz é uma perita criminal em seus anos iniciais de carreira. Como qualquer novato, ela tem dificuldades de se acostumar com o trabalho, deixando que as vezes suas emoções atrapalhem sua função. Um dia, Beatriz é chamada para a ocorrência de um s...