A boca renunciou
E pingou só uma gota,
Do dilúvio que a afoga.
E por pouco que não roga
- Por achar tal gota grossa -
Por perdão o ofendido.A boca renunciou;
O peito, em que pese perto,
O peito não escutou.
Segue trêmulo e faminto,
Continua a rugir
Seu histérico bramido.A boca renunciou
Escorando-se no tempo
No tempo que passa lento:
Vai-se um ano, doem três,
E trocando embora a lente
Não se olvida o acontecido.A boca renunciou.
A alma, porém, reteve,
E de tudo que já teve
Nunca tanto se apegou.
A adaga que a furou
Presa no sítio ferido.***
Ai se houvesse cirurgia
Pros males do coração
Quem é que não a faria?
Não falo de angioplastia,
Mas de cura pra agonia
De um afeto preterido.
