Não é fácil para mim te deixar esse pedaço de papel e ir, vou começar assim.Mas é que depois do que fizemos, depois de nosso amor, seria impossível não saber do que te aconteceu, meu anjo, e eu tenho que fazer alguma coisa.
Eu vi você chorando ontem a noite, sua primeira noite como um caído te deixou desolado. Eu ouvi seus gritos abafados e os soluços chorosos forçados contra o travesseiro, o seu cabelo era uma zona, sem cacho algum.
Estávamos vivendo tão bem juntos no apartamento, quando me disse que iria voltar à biblioteca, eu achei estranho, então te segui.
Eu presenciei de longe você olhar para o teto do seu antigo quarto e perguntar para Ela se o que fizemos, se o fato de você me amar, podia ser tão mal assim, e perguntar de novo, e de novo, e de novo e de novo. Sem resposta. Você está desesperado, Aziraphale. Eu sei como é isso, eu sei.
Lembro como se fosse hoje, minha pele queimando com enxofre e fogo, meus olhos arderam durante minha transformação, aquilo doeu tanto... mas tanto, que eu pensei que não aguentaria, e que ficaria cego.
Também senti o branco orgulhoso e resplandecente de minhas asas se esvair e as minhas plumas serem tingidas com a cor do pecado. A cor da escória.
Mas nada me doeu tanto quanto te ver lá em cima enquanto eu caía.
Olhe bem, eu te amo, isso não é novidade. Mas naquele dia eu senti uma coisa totalmente diferente por você. Eu senti ódio.Um puro ódio do fundo do meu existir.
Ódio de você, Aziraphale. Ah... como é ruim lembrar.
Esses seus olhinhos azuis não me olharam de forma esnobe, nem com frieza, apatia, muito menos pena.
Você me olhou com amor, Aziraphale, amor de verdade.
Foi a primeira vez que me vi recebendo esse sentimento singular e maravilhoso, para logo depois me afundar em tortura e agonia eterna.
Por isso, eu sei pelo que está passando, e também sei que sou o culpado tanto quanto sei que dois mais dois são quatro.
Aziraphale, eu te amo, eu te amo, eu te amo, te amo seis mil vezes mais do que você jamais vai imaginar, mas me desculpe.Eu não devia te amar, sou um imbecil idiota, um infeliz, fui egoísta em te querer para mim. Sou um monstro, e está tudo bem se você me odeia. A culpa é minha. Sou digno de cair de novo.
Agora a pouco eu toquei em seus olhos inchados e beijei sua testa enquanto você dormia. Droga, você está destruído, eu não achei que Deus seria capaz disso, ao menos não com uma criatura tão amável como você.
Não vou conseguir continuar vivendo sabendo que está sofrendo por minha causa, você não merece isso, de todos os seres do universo, você é o único que não posso ver sofrer.
"Todo homem mata aquilo que ama". Você me disse isso século passado, e como sempre, estava certo, meu amor, eu sinto que estou te matando.
Por isso, vou tentar consertar o que fiz por causa do meu mais puro e inconsequente desejo de te fazer feliz ao meu lado. Irei subir diretamente à sala da Suprema, nem que seja à força.
Sei que se importa comigo, então estou dizendo tchau por escrito, nunca conseguiria falar algo assim para você, seria muito para mim, porque eu te amo tanto, Aziraphale.
Se tudo der certo lá em cima, eu continuarei te amando por toda a porra da minha eternidade, mas não mais chegarei perto nem de um fio de seus macios e cheirosos cabelos enrolados. Será livre, será um anjo outra vez. Será iluminado e amado pelo céu de novo.
Mas se eu falhar... meu anjo, se eu falhar, apenas lembre de mim como sempre fui:
A escuridão de sua luz, seu querido Crowley.
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A escuridão de sua luz - Good Omens
RomanceAo acordar após uma noite difícil, Aziraphale nota um bilhete em seu criado mudo.