CINCO

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NÃO TEMOS NEVE

Meia noite estava se aproximando cada vez mais rápido, assim como meu nervosismo e a vontade de desaparecer da delegacia também. O clima estava esquisito e algo de estranho parecia preencher o ar noturno.

Não sei se era algum tipo de milagre natalino desses que a gente vê nos filmes que são reprisados nessa época do ano, mas curiosamente a movimentação na delegacia parecia bem menor do que nos dias comuns de festividades.

O que está acontecendo por aqui?

Levanto-me decidida a fazer uma pequena ronda pelo meu local de trabalho e verificar o que há de errado, porque certamente alguma coisa não está certa por aqui.

-Freitas!

Chamo um colega de profissão que está debruçado sobre o balcão de uma outra colega, provavelmente flertando com a mesma que corresponde com risinhos bobos aos seus avanços.

-Pois não, Silva? -ele se vira em minha direção com os lábios esticados em uma linha fina como se estivesse segurando o riso, e eu arqueio uma sobrancelha de modo desconfiado.

-Onde está todo mundo? Esse lugar está praticamente vazio, não há funcionários em seus postos e tudo parece quieto demais, não acha?

-E daí? -ele questiona despreocupadamente como se fosse algo sem importância e fazendo com que eu perca a paciência.

-E daí que aqui é uma delegacia se não percebeu, colega. Um lugar onde impera a confusão e o caos. E se tudo parece tranquilo desse jeito significa que tem alguma coisa errada acontecendo bem debaixo dos nossos narizes e eu irei descobrir, com ou sem a sua ajuda. -digo convicta apontando o dedo indicador para ele de modo sério.

-Fiquei sabendo de um rumor sobre a galera ter ido jogar uns jogos lá no andar inferior. -a moça com Freitas confidencia em tom de fofoca e vejo meu colega fuzila-la com um olhar zangado.

-Júlia, fica quieta mulher! -Freitas a repreende e a moça se encolhe visivelmente arrependida de ter dado com a língua nos dentes.

-Obrigada, Santos. -eu a agradeço e sigo em direção ao andar inferior apelidado de porão pelos outros policiais, e que vez ou outra é utilizado pelos mesmos para realizarem confraternizações nos momentos de tempo livre.

Contudo não estamos com tempo livre, ou estamos e eu não sei? Pois, por mais que tecnicamente não haja trabalho evidente agora, a qualquer instante pode surgir uma chamada ou uma...

-FELIZ NATAL! -congelo completamente no lugar após empurrar as portas duplas que dão acesso ao porão, surpresa com o coro de vozes soando sincronizadamente.

Pisco atordoada, os olhos abertos do tamanho de pratos e a boca ligeiramente escancarada ao observar vários pares de olhos me fitando com expectativa e alegria, a espera da minha reação.

Estou em choque. A realidade parece confusa para mim em meio um ambiente que mal reconheço diante dos meus olhos. O porão que antigamente era um lugar mal iluminado, cheio de quinquilharias velhas e descartadas acumuladas por todos os cantos, agora é um local decorado harmoniosamente com vários pisca-piscas, alguns outros itens natalinos espalhados por todos os lados e acreditem se quiser, com direito até um enorme visco sobre a entrada.

-Ela não parece tão esperta quanto é, parada desse jeito com essa cara de paspalha. -mamãe que está mais a frente de alguns amigos com um braço do meu pai sobre os ombros, diz com um sorrisinho implicante nos lábios enquanto me encara do outro lado da sala com os braços cruzados e a postura confiante.

-Deixe a menina em paz, querida. Não faça vergonha na frente dos colegas de trabalho dela, não é bebê do papai? -meu pai entra na pilha de provocações e eu sinto meu rosto esquentando de vergonha com a brincadeira de ambos.

Embora os dois estejam me envergonhado na frente de todas as pessoas que conheço, sei que é apenas com o intuito de descontrair o clima, nunca para me humilhar. E é por isso que não consigo sentir raiva deles. Eu amo meus pais e minha família além do que posso imaginar. Minha vida sem eles seria sem graça e vazia, e por esse motivo eu agradeço a Deus todos os dias pela dádiva de tê-los ao meu lado.

-Rou, rou, rou... feliz natal, Silva!

Ah, essa voz! Sim, para fechar a noite de surpresas com chave de ouro, saído do meio das pessoas como quem abre caminho pelo mar vermelho, Sampaio surge completamente caracterizado como o boneco de neve Olaf, personagem da animação Frozen, e caminha em minha direção. Contudo, antes de alcançar a porta onde ainda permaneço estacionada feito uma idiota, ele para de andar no meio do caminho.

-Uma vez eu disse que te daria a melhor noite de Natal da sua vida, Silva, e você rebateu com muito cinismo que para isso acontecer eu teria que fazer nevar. -Sampaio comenta despretensiosamente e meu rosto cora violentamente ao imaginar que todos estão me julgando devido meu comportamento ácido e arredio.

Um constrangimento me atinge e eu me estapeio mentalmente por ter sido tão mal educada com Sampaio sem um forte motivo.

-Bom, para essa noite nós não temos neve de verdade, porém isso não significa que eu não possa fazer nevar. -ele pisca um olho e se vira para o lado falando com alguém. -Freitas, por favor.

-Hora do show! -o outro responde de algum lugar que não faço ideia e que não consigo ver.

E então a magia acontece.

Centenas de floquinhos brancos invadem o lugar por todas as partes, despencando do alto e cobrindo as cabeças dos presentes. Meus olhos se enchem de lágrimas e eu soluço emocionada quando não consigo mais conter o choro entalado na garganta.

A máquina de neve falsa continua a expelir particulas alvas no ar, enquanto Sampaio não desmancha o enorme sorriso que ostenta nos lábios e percorre o restante do caminho até mim.

Eu não mereço tanto carinho e consideração vindos de uma pessoa que tanto desdenhei, reconheço vergonhosamente.

-Sou o Sampaio e gosto de abraços quentinhos. -ele abre os braços quando estamos parados frente a frente e eu não me faço de rogada, lanço-me sobre ele, que me envolve com sua grande estrutura corporal em um abraço apertado, e uma risada gostosa girando-me no lugar.

-Olhem, eles estão sob o visco! -alguém grita no meio das pessoas. -Tem que cumprir a tradição ou todos nós teremos um terrível ano novo.

-A gente precisa mesmo cumprir essa tradição? -Sampaio me desce de seu colo, mas ainda assim não retira as mãos que rodeiam minha cintura.

-É claro que sim, se não quisermos azarar todo mundo. Acho que seríamos odiados por isso até o próximo século, Sampaio. Então não os deixe esperando. -digo com a boca a milímetros da sua e o mesmo abre um grande sorriso brilhante antes de cumprir com seu dever.

🎄🎄🎄

Hello, pinheirinhos de Natal! Tudo beleza reluzindo como pisca-pisca? Digam-me o que estão achando da história! Ah, e não se esqueçam de deixar suas estrelinhas ou um gato irá derrubar sua árvore de Natal! hahaha
Beijinhos lambuzados de panetone 😘😘😘

Não Temos Neve [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora