Palavras em vão

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               Todos na sala de espera teriam histórias a contar, aquelas pessoas não deixaram de anseiar por notícias de seus amados. Choros ao telefone, pessoas em choque, não distante dessa realidade, a menina aguardava notícias de sua avó, assim como não tinha forças para comunicar a alguém o ocorrido, mas, eram poucos a quem teria de noticiar: as duas cuidadoras da avó, alguns empregados e a sua mãe.
                Tudo parecia tão lento, dessa forma, as primeiras ligações foram feitas àquelas que estavam sempre por perto, tristemente informou a situação às cuidadoras e aos empregados. Passar o fato a sua mãe era outro caso, os negócios separaram o laço maternal: a mãe era ausente física e emocionalmente. Mesmo não sabendo como falar com a genitora, teve de fazê-lo.
             O tempo não normal, afetando o processo de discar. A decisão veio repleta de obstáculos em sua mente confusa, pois a mãe não estaria presente em um momento tão crítico  para a avó dela. Relutou, mas, realizou a ligação e não foi atendida, logo, começou a  escrever.
            Enviada a mensagem, vieram as pessoas de branco que a menina tanto aguardava. Um cirurgião posicionou-se adiante em um assento; o outro, em pé.
-Infelizmente, a cirurgia apresentou complicações, a aorta se rompeu e o coração não conseguiu ser reanimado. Fizemos tudo em nosso poder, mas, a sua avó faleceu às 3:03 - informou-lhe o cirurgião assentado.
            A notícia lhe trouxe lembranças do sonho anterior. Percebeu que a avó, de fato, despediu-se. A reação não foi diferente de o que se espera, o choro ecoou e uma história foi terminada. A jovem não teve coragem de tocar em seu telefone, concomitantemente, o tempo volta a correr. Ao fundo, uma mulher se aproximava da menina, tudo já estava tão claro: uma neta perdeu a avó e uma filha perdeu a mãe.

        O momento era fúnebre, o luto adornava as pessoas curvadas nos assentos da catedral, trajando preto. Não estavam reunidas muitas pessoas na sacra cerimônia de lembrança de uma vida; mas estava reunido muito dinheiro na composição, não foram medidos esforços.  O elenco a passos curtos discursava homenagem:
- Celebramos aqui o momento das recordações...
- Susan marcou minha vida...
- Da última vez que nos encontramos, ela estava lúcida...
             A neta de Susan foi a companhia predileta da avó desde o nascimento, bem como a última, ela estava incontrolável em choro. O próximo momento de fala era o dela, juntou as últimas forças, tomou o lugar da mãe, sendo consolada por um abraço singelo, que  em poucas ocasiões recebeu. Do pódio, visualizou a plateia, olhou de relance o microfone, retirou fôlego, mas seus lábios não conseguiram se abrir para proferir as condolências. Desta maneira, ela perdeu forças e despencou ao assoalho desacordada.
          Rapidamente, a caída levantou o olhar, deparando-se com um espaço aberto onde o gramado com flores, as estrelas e o luar tomavam conta. Vislumbrou a confusa solidão, tocou a grama para então sentir que lá não era um lugar tão solitário.
- Catherine... Cat, é como prefere ser chamada? - murmurou uma presença ressoando sobre as costas de Cat.
          Em calafrios, Cat fugiu daquilo que por ela chamou. A presença não era nada mais que sua avó, estranhou a diferença da voz e do jeito.
- Vovó? Onde eu estou? - indagou receando que aquela era a morte certa - Eu morri?
            A avó negou em sua expressão então sorrindo para Cat.
- Você não morreu nem está sonhando... - a fala preencheu mais perguntas no imaginário da neta - Este lugar não é um sonho, é real, desta vez. Isto não é algo da sua cabeça, mas é algo que você precisava enxergar. É o meu lugar favorito.
- Vó, você precisa me explicar - proferiu em curiosidade e ficou de pé.
             Assim, a idosa não era mais a única pessoa, lado a lado surgiam entes de idades díspares, alguns mais velhos, outros mais novos. As revelações cessaram, e um a um sumiam encurtando também a distância entre eles, permaneciam neta e avó naquele processo até o momento em que a velha deu lugar a um homem o qual a idade fez efeito, não  tão agressivo, porém os cabelos longos e brancos eram evidentes acompanhados de uma barba mal feita.
- Cadê a minha avó? Quem é você? - mais perguntas entravam na mente de Catherine já em parafusos.
- É o meu suspense. Sou mais antigo que aparento, transcendo o tempo, foi eu quem iniciou tudo. Eu sou responsável por uma criação, incapaz de desfazê-la, mas ainda pude enquanto me restava poder criar formas de contê-las. Eu sou o Oráculo arrependido, tenho a ciência de muitas coisas, não de todas...
- Por que a minha avó estava aqui e agora não está? - interrompeu ainda tentando entender.
- Eu iniciei os problemas, prejudiquei-me, eu sou o fatídico responsável. Este canto é o meu canto, meu único canto, meu sonho. Eu não tive poder o bastante, você é uma solução...
- Solução de quê?
- Você pode acessar outros lugares, o descanso se conecta em um só lugar, a minha decepção usa isto para se aproveitar. Com sorte, a minha linhagem dourada e alguns outros minimizaram meus erros. A que veio antes de você foi exemplar, espero que atinja as expectativas.
- Não explicou nada.
          A consciência de Cat não compreendia nada. Comva brisa leve soprando, o velho usou a relva como assento e apontou dedo para o desenho estelar do céu  que os fazia companhia.
- Minhas palavras não hão de ser em vão, ainda assim pressinto que a escolheram bem. Faça das flores um bom lugar a se sentar e raciocine comigo.
- Não, eu quero voltar. Eu quero entender, eu quero...
- Você não está se sentindo confortável, vejamos - o homem se transformou em Susan - Eu confiei em você para algo muito importante, por favor, Cat - a voz mudou e o ambiente se acalmou.
- Você não é a minha avó. Eu não sei o que você é...
- Cat, ele era uma manifestação. Eu vim tornar mais fácil, ele tem muito conhecimento com pouca prática. Ele é um ser que criou o mundo, criou o bom e o ruim, no entanto, ele não previa que o ruim tomasse tanta conta do mundo e os demônios superaram todo o seu poder.
- Vó, ou o que seja, demônios? Isso não é possível.
- Eles querem tomar lugar entre o mundo e estão dispostos a reiná-lo outra vez. Com esforços de gerações, eras, nós conseguimos corrigir aqueles que tentam usar do momento mais frágil de um ser, o sono. Os sonhos são a primeira de uma camada da nossa existência, é o estágio primitivo da consciência. Os maiores demônios já foram contidos, o número reduziu, mas são vastos.
- Onde demônios e sonhos se encontram? E por que eu?
- Você é especial, tem sangue dourado, deverá entrar no sonho das pessoas e matar demônios. Ninguém deverá se lembrar de você, e ainda por precaução...
          A luz da lua mirou Cat, um véu branco cobriu-lhe o corpo, depressa a jovem retirou o véu em descrença do ocorrido. Agora, as roupas negras de Cat foram substituídas por um branco, a face fora parcialmente coberta por uma máscara carmesim, nas orelhas estavam flores e plumagem claras como a neve, um chapéu amarelado dava um ohar mágico àquela fantasia. Os pés agora descalços dela sentiram a grama e ela analisou a roupa onírica.
- É tão bonito. Ainda é estranho eu não ter nada em meus pés - a fala foi acompanhada de um desejo atendido, em seus pés estavam sapatilhas de branco em contraste com dourado - Eu devo ter batido minha cabeça muito forte quando eu caí.
- De fato - exclamou Susan em concordância com a afirmação  - Não apagando a realidade em tudo isto. Você é em quem eu acredito.
- Se isto for real, eu não acho que sou capaz. Eu não sou boa o suficiente. Eu sou grata a você, eu abdiquei muitas coisas em favor do meu amor por você. Eu não sei lidar sem você. Eu nunca vivi o suficiente e agora você quer me dar uma tarefa que eu não tenho habilidade para resolver - esclareceu o ponto guardando o choro, foi ao encontro da velha e sentou do lado dela - Se a linhagem importa tanto, deveria ter escolhido a minha mãe porque ela sabe resolver as coisas... ela só não soube me resolver. Eu não sei como serão as coisas sem você, mas ela já deve saber como são as coisas sem mim e sem a mãe dela também.
          As duas contemplaram as estrelas, a jovem deixou as lágrimas escorrerem.
- Catherine Wade, você é a mais forte. Sei que não abandonaria a missão. É a única que pode realizá-la.
- Eu sou levada aos sonhos? Ou eu que entro neles quando quero? Eu sei que quando for levada ao meu sonho irei parar aqui - deu uma risada de ironia afagando as lágrimas e colocando a nuca sobre o ombro de Susan - Mas eu quero ficar contigo mais um pouquinho, com você lembrando quem eu sou. É um sonho melhor, lúcido demais, mesmo assim muito bom.
- Você quer realmente entrar no seu sonho?
        Cat, em um piscar de olhos, não estava mais no mesmo ambiente. O mundo era uma cópia de sua lembrança mais cedo no hospital, os vários flashes de Susan decaindo em sua frente mostravam frames consecutivos em um fundo preto seguindo as marcas do fatídico cardiograma com as vozes do pronunciamento médico ressoando como som do ambiente.
       "Não, não" gritava a menina presa em um pesadelo, acordou gritando em uma cama de hospital, a mãe, no quarto, deu um salto seguido de choro aliviada e Cat ficou se perguntando a veracidade do ocorrido. Aquele momento era também um dos poucos momentos em que se sentiu bem em estar na presença da mãe, ao invés de renegada.

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2019 ⏰

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