Prólogo

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Eles chegaram em meio à névoa úmida que cobria a cidade de Moth, nas primeiras horas da manhã.

Vindos do Oeste, com os queixos erguidos e olhares de desprezo, um grupo de magos furioso irrompeu pela rua principal, abordando as poucas pessoas que circulavam pela região.

Surpresos pela aparição, os madrugadores tentaram fugir às pressas, mas a maioria não foi rápida o suficiente. Pegos antes de sequer começarem a correr, foram atingidos por feitiços velozes que disparavam das mãos dos magos, cobrindo-os com chamas negras, abrindo buracos em seus peitos ou soterrando-os com pedras gigantescas que se materializavam no ar.

Alguns se refugiaram dentro das casas, trancando as portas e janelas. O homem à frente do bando, Talrion, com seu porte elevado e olhos cruéis, divertiu-se com a ingenuidade. Ele ordenou que seus seguidores invadissem as casas e arrancassem os moradores de suas camas se fosse preciso, que revirassem todas as caixas, sacos e bolsas que encontrassem, lhes concedendo permissão para reter qualquer coisa.

Uma parcela dos presentes reagiu à afronta, atirando pedaços de madeira e bradando insultos aos feiticeiros, que recebiam cada vez mais reforços. Com o tempo, o tumulto cresceu tanto que a Guarda Comuna chegou para interferir, mas seu número era insignificante se comparado ao apoio mágico.

A poucos metros dali, um sacerdote do Templo de Auris, assustado com a gritaria, deixou seu santuário e juntou-se às pessoas que cobriam a rua, seus pés tropeçando no longo manto esverdeado.

— Quem é o responsável por isso? — Seus olhos percorreram a multidão a procura dos culpados. — Talrion! O que pensa que está fazendo? Tem ideia de que horas são?

O feiticeiro, com os punhos fechados e a postura ereta, mostrou-lhe os dentes.

— Volte para seu buraco Bhelrit, não tenho tempo para você.

— Não vou a lugar algum até parar com esse escândalo! Que absurdo! — Ele manteve os braços cruzados e os pés firmes no chão, em forma de protesto. O ato estimulou uma onda de urros do minúsculo grupo de manifestantes que resistia à invasão. Os feiticeiros haviam parado de se aproximar dos moradores: aguardavam novas ordens de seu líder, como animais de estimação bem treinados.

Do outro lado do confronto, o religioso olhava para os lados, procurando pessoas que precisassem de auxílio. Foi com muita dor no coração que ele contemplou a destruição pelas ruas: manchas de sangue salpicadas nas paredes das frágeis casas; cinzas nos cantos das calçadas, de onde feridos corriam sem olhar para trás; estilhaços de vidro e mercadorias quebradas brilhando no chão — as mais valiosas desaparecendo nos bolsos de quem passava.

— Que decadência essa sua cidade, Bhelrit... Estou cercado de ladrões. — comentou Talrion com uma careta, levando a mão à própria garganta. Discretamente, cobrindo a boca com um pano, ele tossiu sobre o material antes de escondê-lo no bolso.

— Pelo menos nenhum de nós é assassino! — uma voz surgiu da multidão.

Talrion congelou.

— Quem disse isso? — Os mais próximos ao feiticeiro engoliram em seco, segurando a respiração. Ninguém se movia. — Mostre-me seu rosto, covarde! — ele tentou avançar para os protestantes, mas Bhelrit o impediu, correndo em sua direção e puxando-o pelo braço.

— Você não fará nada a eles, Talrion! Não permitirei.

O mago, uma cabeça mais alto que o sacerdote, analisou suas opções com os lábios cerrados. O religioso, ao alcance de seu braço, não teria sequer a oportunidade de gritar. Matá-lo com um único movimento não seria desafio algum.

Ah, se meu irmão não gostasse tanto desses clérigos... O manto dele seria um belo tapete para minha sala.

Por fim, apoiando a mão no ombro do sacerdote, Talrion falou em seu ouvido:

— A sua sorte me surpreende, Bhelrit. Como sabe, sou um homem muito ocupado... Do contrário, esta noite teria um final diferente. Mas não se preocupe, não partirei sem deixar uma pequena lembrança. — Antes que alguém pudesse reagir, Talrion apertou o ombro do devoto com uma força inumana, os gritos do sacerdote encobrindo os estalos dos ossos se partindo. — Que isso, não precisa agradecer. Você merece.

Afastando-se do homem a agonizar, o mago caminhou lentamente até sua plateia, abrindo os braços enquanto falava.

— A fé de Bhelrit é realmente admirável. Ele vive há muitos anos, dedicando-se a este templo, sem pedir absolutamente nada em troca. Só podemos imaginar as dificuldades que um trabalho como este reservam, ainda mais na idade avançada em que ele se encontra. As dores no corpo devem ser bem comuns, não concordam?

Ninguém moveu um músculo, trêmulos demais para se manifestar.

Talrion suspirou profundamente, pensando em seu próximo passo. Por mais que as palavras seguintes fossem humilhantes, não restavam muitas opções. Seu tempo estava acabando.

— Pois bem. Eu lhes dou uma semana para encontrar o carregamento de Erva-da-Lua roubado. E não se façam de tolos, sabem exatamente do que estou falando. Quem entregar o culpado e a carga receberá uma bela recompensa.

Assim que o mago terminou de falar, a maior parte das pessoas segurou seus pertences junto ao peito e disparou em direção às ruas secundárias, esbarrando umas nas outras pelo caminho. Uma insignificante minoria de retardatários, ainda inflamada pela troca de ofensas, foi rapidamente reunida e capturada pelos feiticeiros.

Nesse meio tempo, dois sacerdotes seguraram Bhelrit pela cintura, tentando guiá-lo até o santuário.

À beira da inconsciência, ele discerniu as últimas palavras de Talrion da noite, a poucos centímetros de sua nuca:

— Espalhe a notícia para os outros Templos. E fique fora do meu caminho ou não terei piedade da escória que você chama de povo.

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Próximo capítulo : A primeira voz

E aí, o que acharam do Talrion? Um amor de pessoa, né?

Já deixaram o voto lindo? ♥ Até o próximo!

A última NecromanteOnde histórias criam vida. Descubra agora