"Capítulo um: A saída"

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Dia 128 do ano 60 (de morte)

Já fazem 60 anos que estou apodrecendo aqui. Pararam de vir chorar ao meu túmulo há 47 anos. Tudo que ouço são os passos acima de mim, mesmo com os seis pés de terra em cima do caixão. Fico me perguntando como o mundo evoluiu, se quem eu conhecia ainda está acima do solo e lembra de mim, ou mora no buraco ao lado. Hoje fui presenteada com uma surpresa saindo da terra, uma minhoca gordinha que usei pra matar a fome. Acho que nunca me descrevi, não é diário? Bem, lá vou eu: devido à boa qualidade do caixão e da técnica de conservação do meu cadáver, mantenho me inteira, somente com menos cor na pele e mais magra. Meus morenos fios de cabelo aos ombros, amarrotados no caixão. Um vestido de renda em cores claras, sujo de poeira e amassado pelo tempo. Meus olhos de coloração negra, e um nariz pequeno e redondo. Lábios que um dia já foram corados e cheios de vida, agora, brancos e gelados. Queria poder sair deste inferno... Olhar pro céu azul, sentir a chuva em minha face. Por que não? Por que não sair deixar este túmulo, por que não parar de escrever nestas páginas, isto é sem sentido, afinal, esta é a última folha.

Ela fechou seu caderno, guardou-o no bolso e empurrou a tampa. Nada aconteceu. Empurrou novamente: agora com o dobro de força, a de seus pés. A tampa do caixão se abriu, revelando uma câmara de pedra... Uma cripta! Ela não lembrava que a família tinha uma cripta no jardim dos fundos do casarão, pois era proibida de chegar perto. Levantou-se com cuidado, e saiu do caixão, localizado no centro da sala.

Observou o lugar e achou escadas. Olhou para as mesmas animada, e correu até elas. Por pouco não tropeçou em um ladrilho solto, que teria jogado a cabeça dela longe. Chegou ao topo das escadas e viu -se frente à frente com uma porta de... vidro? Até onde sabia, a porta da cripta da família era de pedra. Viu que quase nada havia mudado lá fora, as mesmas árvores balançavam com o vento, mas as mesmas maiores, e o casarão, que antes era amarelo, agora laranja. Estava de noite, mas haviam estranhas luzes no céu, que não eram nem estrelas, nem a lua, nem mesmo velas, pairavam um pouco acima das macieiras.

Assustada com um esquilo que bateu de cara no vidro, ela jogou uma pedra mediana na porta, estilhaçando a mesma. O esquilo por pouco não foi esmagado pela pedra, mas não escapou dos pedaços de vidro. Ela cutucou o esquilo, que tinha a pata atingida, e o mesmo fez um barulho de sofrimento. Com dó do pequeno, ela retirou o estilhaço, rasgou um pedaço de seu vestido e enfaixou o braço dele. O esquilo ainda não conseguia mexer-se, então ela colocou o mesmo no bolso de seu vestido. Andou até uma das macieiras e pegou uma maçã mais madura. Com um caco de vidro que havia guardado em outro bolso, cortou uma pequena fatia da maçã e deu ao esquilo. O animalzinho comemorou com uma mordida bem dada na maçã, e foi roendo a mesma. Ela voltou a atenção ao casarão, e foi em direção ao mesmo. Bateu à porta, e nada. Bateu novamente, e um homem alto abordou-a por trás:

- O museu está fechado agora. Retire-se por favor.

Ela hesitou:

- Mas esta é minha casa! Por favor, solte meu pulso. Deixe-me entrar!

O homem percebeu que havia algo de errado nela. Ele não sentia suas veias bombearem sangue! Ele se afastou, olhou espantado e saiu correndo logo depois, olhando para trás e conferindo se ela não havia o seguido. Como ela não tinha entendido aquilo, só saiu do terreno e foi andando pela calçada.

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⏰ Última atualização: Dec 26, 2019 ⏰

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