2 - Nua e Crua

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No dia seguinte, quando Camila desejou que o teto fosse outro, sentiu um aperto no coração, uma vontade imensa de sumir sem deixar rastros. Mas como não tinha coragem seguiu com seu ritual da manhã.

Em um piscar de olhos estava de novo sentada no banco ao lado do portão esperando seus amigos, mas quando eles chegaram não a cumprimentaram como sempre, em vez disso começaram a rir e apontar pra ela, chamaram-na de puta e mendiga. Camila saiu correndo e se escondeu no banheiro. Sem entender o que estava acontecendo começou a chorar, chorou como se já soubesse do que a acusavam.

Ela não saiu do banheiro até que tivesse certeza que ninguém estaria no colégio para incomodá-la. Foi até a praça onde encontrava o homem de terno, mas para sua surpresa os que diziam serem seus amigos estavam sentados no banco onde ela devia esperá-lo, quando a avistaram começaram a gritar novamente "puta!" e "mendiga!". Sem saber o que fazer, correu até onde almoçava com o homem de terno, mas foi perseguida, encurralada e sem ter para onde ir decidiu desistir, mas uma sombra surgiu na sua frente e impediu que os outros de fazerem seja lá o iriam fazer.

A pessoa colocou a mão em seu ombro e ela abriu os olhos, era o homem de terno, ele mostrou o celular e tinha uma foto de ambos entrando no hotel. Ele a olhou friamente e mandou que fosse com ele até um bordel, onde só pessoa de onde Camila nasceu iria.

O homem de terno começou a gritar com ela, perguntou se ela sabia e porque não impediu, porque não foi mais discreta. Camila até tentou se defender, mas ele estava alterado, seu rosto estava vermelho. Ele a segurou pelos ombros e olhou dentro dos seus olhos por uns minutos. Ela estava com medo e não ousou sequer respirar. Quando a soltou, ele vasculhou o bolso e tirou uma aliança de ouro. Perguntou se Camila sabia o que significava e ela assentiu. Ele era casado. Camila sentiu o mundo onde vivia desmoronar, ela amava o homem de terno, apesar de ele deixar claro que tudo entre eles era um negócio, ela fazia o serviço e ele pagava. Ela se levantou da cama e com o ódio de ser usada irradiando pelas suas veias começou a gritar e esbravejar com o homem de terno. Ele a olhou como se não acreditasse em sua ousadia e quando ele entendeu o que ela estava falando tomou uma decisão, não poderia deixar uma garota de 18 anos mandar nele.

Os últimos momentos de vida de Camila foram os mais dolorosos, ela levou sequência de tapas na cara, ponta pés no estômago e sua cabeça foi batida contra a quina da cama, mas a dor física não se comparou à emocional, depois de se cansar das palavras de ódio do homem de terno ela começou a pensar nos seus irmãos e em seus pais. Apesar de odiar a vida pobre que levava ela amava a família e só fez o que fez para nunca mais sentir que é menos que alguém.

Quando ele finalmente parou de agredi-la, física e verbalmente, ele puxou uma arma da cintura e com a maior frieza deu três tiros, um na cabeça, outro no coração e o último no ombro. Nenhum dos tiros tinha um significado, mas por si disseram tudo.

Os tiros chamaram a atenção de todo o bordel, o gerente, que era bicheiro e “cafetão”, apareceu e encontrou o homem de terno sentado na cama com a arma ainda em mãos e o corpo de Camila ensanguentado no chão. Depois de uma longa conversa o gerente ajudou o homem de terno a fugir e chamou a polícia. O homem de terno na verdade é traficante de cocaína e parceiro do gerente do bordel, eles inventaram uma historia para aquele corpo.
Camila foi enterrada com a pior reputação e na manhã seguinte todos os meios de comunicação contavam sua falsa história, como uma filha de dois garis foi para a vida da prostituição e morreu porque tinha ambição demais.

Os pais de Camila sofreram por meses, mas não pararam de trabalhar, eles tinham duas crianças de três anos para criar, apenas trocaram de horário no trabalho e tiveram ajuda dos vizinhos. Os ex-amigos de Camila se sentiram culpados, mas só por uma semana e logo voltaram para o bullying diário.

E o homem de terno voltou para casa como se nada tivesse acontecido, comentou com a mulher a história triste da garota que se prostituía e depois foi brincar com seus filhos, fazendo o papel de pai. Logo a história foi esquecida pelo demais, porque todo dia surge uma nova Camila, que todos sempre julgam, mas ninguém sabe a história.

Duas Faces da Rua (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora