A Maldição Negra

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Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo amém!
Eu me ponho de joelhos a orar pelas almas dos fiéis que já se foram, e também a condenar a raça de imundos infiéis que provocaram a ira de Deus. Rogo aos céus pedindo ao senhor que tenha piedade de nós, mas somente minha súplica não nos trará salvação, não enquanto aqueles malditos semitas ainda envenenarem nosso mundo com sua existência. Infelizmente era dessa maneira podre que eu pensava, pelos até o senhor nosso Deus se enfurecer e tratar de enviar sua punição celestial até mim. Há muito tempo a maldição negra se instaurou em nossas terras e não mais quis sair. As portas do submundo definitivamente haviam se aberto, liberando de vez a besta sem corpo e alma que trazia consigo uma morte lenta e cruel.
Os miseráveis marcados pela maldição exibiam grandes feridas abertas pelo corpo, além de várias manchas negras que pareciam derreter seus órgãos por dentro. As ruas foram tomadas pelos corpos em decomposição, jogados por todos os cantos, casas, castelos, celeiros, nenhum espaço escapou de ser tomado por pilhas e pilhas de cadáveres. O miasma que contaminava totalmente o ar era um verdadeiro cheiro infernal que impregnava as narinas de todos, levando junto a si a praga negra. Durante esse pandemônio nunca deixei de rezar um dia sequer dentro de minha pequena igreja junto aos fiéis que ainda se mantinham sadios, no entanto, algo parecia estar errado, por mais fervorosas e intensas que fossem nossas orações a situação não parecia mudar, pelo contrário, a cada missa, a cada encontro que realizávamos o nosso número diminuía cada vez mais. Ordenei aos cristãos remanescentes que em ritmo de procissão, caminhassem e se flagelassem num ato de devoção para acalentar a Deus, mas de nada funcionou. Nem mesmo o puro-sangue mortal que era derramado pelas estradas e vilarejos, ou nossa inquestionável veneração pudera nos trazer esperança, com isso cedo ou tarde o fim chegaria. Foi então que uma epifania iluminou meus pensamentos e trouxe-me a milagrosa solução divina, não vou mentir, era algo que já havia imaginado, porém, não tinha certeza se deveria fazer.
As palavras ditas a mim pelo todo poderoso foram excepcionais e esclarecedoras, creio que nunca as esquecerei: "Filho, é de minha vontade que livre suas terras daqueles assassinos de Jesus que não devem nem ao menos ter seus nomes proclamados, vá à caça de todos eles e os execute como os verdadeiros animais que são, só assim os cristãos poderão viver em paz novamente". Entusiasmado pelas ordens do pai, saí as ruas junto a meus irmãos entoando nossos louvores enquanto matávamos cada um daqueles adoradores do demônio que víamos pela frente. Em sua maioria eles foram queimados ou esquartejados, porém, alguns que ainda se encontravam saudáveis foram contaminados pelos corpos que jogávamos em suas casas. Seus gritos de terror e agonia eram tão prazerosos, que aquilo antes era uma missão, se tornou também uma diversão para nós. Entretanto, as matanças diárias que praticávamos assim como as outras tentativas de agradar ao Pai não deram certo, era difícil encarar essa realidade, não contei a meus companheiros, mas a essa altura já havia perdido toda minha fé. Não nos restava mais nada a fazer a não ser voltar igreja e esperar a inevitável morte chegar. Numa certa manhã durante a celebração da santa missa, quando minhas esperanças já tinham completamente acabado, uma legião de "doutores" invadiu minha igreja prometendo acabar de vez com praga. Suas aparências grotescas e obscuras me fizeram tremer até a espinha. Usavam máscaras semelhantes ao bico de alguma ave, junto a seus longos mantos negros que davam um ar sombrio aquelas figuras misteriosas. Tudo o que eles pediam em troca eram algumas moedas de ouro para realizar seus milagres, de imediato percebia que eles não passavam de um bando de aproveitadores, era óbvio queriam somente arrancar dinheiro de pobres indefesos, mas naquele momento essa ideia também me parece boa.
Me juntei aos doutores realizando várias curas falsas e em pouco tempo tínhamos ficado quase ricos as custas daqueles ingênuos, pelo menos alguém nessa história realmente teria um final feliz, bom era o que eu imaginava, só que Deus tratou de me abrir os olhos com sua ira avassaladora. Depois de um longo tempo de enganações algo terrível aconteceu, os corpos que antes estavam jogados por todos os lugares começaram a se levantar e andar por aí. Era uma visão horrenda ver aquelas coisas que um dia já foram humanas perambularem por aí, e o pior é que sem nenhuma explicação elas atacavam e devoravam todas as pessoas que viam pela frente. Vi cenas terríveis como o que parecia ser uma mãe devorando ferozmente seu filho que soltava gritos agoniantes pedindo que ela parasse. Neste instante ficou claro para mim que eu era o culpado de tudo, culpado por provocar ainda mais a ira do senhor. Felizmente não me resta muito tempo agora que essas coisas estão tentando invadir a igreja em que estou, só que mesmo assim, num último ato de redenção eu peço a Deus que tenha piedade de nós e mundo inteiro, e se para isso for necessária minha alma queimar eternamente no fogo do inferno, que assim seja.
Em nome do Pai, do filho e do Espírito santo amém.

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