Capítulo 1: O funeral

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É o terceiro enterro em menos de seis meses. Este e o anterior aconteceram com apenas dois meses de diferença. O pior de tudo é a idade e a causa das mortes: três jovens assassinados de forma brutal. Nenhum deles tinha mais de 25 anos.

Os boatos são que este pode não ser o último funeral, o que deixa tudo ainda pior. Um homicídio não deveria ocorrer aqui dentro, três fazem com que sussurrem por aí questionando quem seria o próximo — mesmo que não haja um padrão exato nas mortes, além da idade aproximada das vítimas e das cenas dos crimes serem dignas de filme de terror.

As vítimas foram duas garotas e um garoto. As meninas tiveram as gargantas cortadas, mas a cena do crime e a situação em que foram encontradas eram tão diferentes que os policiais não conseguem dizer se a mesma pessoa foi responsável ou não. O garoto, por sua vez, foi atacado por um objeto na cabeça. Diversas vezes. O que indica crime pessoal, diferente das meninas. Por isso, a linha de investigação trabalha considerando-os casos isolados.

Ninguém quer assumir em voz alta, mas a apreensão é grande. Paraíso Park devia fazer jus ao nome e ser a comunidade ideal, perfeita para criar os filhos sem as preocupações que afligem o lado de fora dos portões. Agora os assassinatos colocam tudo em cheque.

Paraíso Park é uma comunidade relativamente pequena. Somos em 5 mil habitantes e, de certa forma, todos nos conhecemos. Frequentamos as mesmas escolas, ambientes de trabalho, festas, eventos. Portanto, não consigo entender como os crimes podem não estar relacionados, mas não sou policial e sequer tenho conhecimento de como eles estão trabalhando, pois a investigação segue em sigilo.

Por estar em uma faixa etária próxima às das vítimas, fui em todos os enterros e conhecia todos eles pelo menos de vista. No entanto, esta é a morte que mais mexeu comigo, a mais próxima de mim. Sara tinha minha idade, havia estudado comigo na escola. Estávamos na mesma sala e até poucos meses nos víamos todos os dias.

Não éramos próximas, mas nos dávamos bem e vira e mexe conversávamos sobre algum interesse em comum. Ela frequentou muitos dos shows da Très, minha banda, e sempre fez questão de nos apoiar como pudesse, seja divulgando em redes-sociais, mandando mensagens ou nos encorajando pessoalmente.

Sara era uma menina sorridente e simpática. Tinha os cabelos escuros e o rosto redondo com covinhas nas bochechas que chamavam atenção, dando uma aparência infantil e delicada. Ela havia feito parte da comissão de formatura e estava sempre envolvida na organização de eventos na escola. Tratava todo mundo bem e não tinha inimigos. Definitivamente não era o tipo de menina que você imagina que alguém pudesse querer machucar, por isso a morte violenta chocou tanto não só a mim, como toda a comunidade.

As melhores amigas de Sara choram abraçadas. A mãe dela está praticamente dopada de calmantes e observa, de forma apática, o pai e outros familiares carregarem o caixão. Ela é amparada pelo marido, que está pálido e evita os olhares das pessoas presentes. Ouvi dizer que o padrasto é um suspeito, pois Sara não era muito fã dele, nunca aceitou o divórcio dos pais e queria que eles voltassem.

A cena é tão triste que uma lágrima escapa de meus olhos, mas limpo quase de imediato. Não me sinto no direito de chorar, já que não éramos exatamente próximas. Desde que terminamos a escola há três meses não conversamos por mais do que cinco minutos durante um ou outro show da Très que ela apareceu. 

Observo o meu redor tentando distrair a mente para não chorar e percebo Theo me observando. Os olhos castanho-esverdeados que conheço tão bem estão fixos em mim e ele sorri de forma triste quando nossos olhares se cruzam.

 Abaixo a cabeça sem retribuir o sorriso para evitar que ele decida vir até mim. Não posso lidar com Theo no momento, em como meu coração acelera ao vê-lo de terno, uma roupa que nada tem a ver com ele, mas que tem seu toque por conta par de Converse surrado nos pés. Seus cabelos escuros, como sempre, estão bagunçados — por mais que a mãe dele repita a necessidade domá-los, ou cortar curtinho para acabar com "esse ar desleixado".

Respiro fundo, fechando os olhos. Preciso desligar meus sentimentos por respeito à Sara, que foi morta de forma brutal. O quão errado é eu estar aqui pensando em como meu ex-namorado está bonito, como quero abraçá-lo e sinto a falta dele? Além disso, assim que o serviço terminar, vou vê-lo. A banda vai se reunir e pretendo avisá-los que não vou mais continuar.

Não tem como. Não vou conseguir aguentar dividir o palco e o microfone com Theo, como costumamos fazer nos shows em algumas músicas.

A proximidade vai me deixar louca. Quase tanto quanto vê-lo todos os dias ou de pensar que, em um futuro próximo, terei que assisti-lo ficando com outras pessoas e pior ainda: se apaixonando. Preciso me afastar antes de me machucar mais, mesmo que eu tenha sido a responsável pelo fim do nosso relacionamento.

Fixo os olhos no caixão à minha frente e penso em como a menina que sempre estava rindo, preparando eventos dentro da escola e cuidando para que nosso último ano fosse inesquecível nunca mais iria fazer nada do tipo. Sara havia recém começado a faculdade de pedagogia e jamais iria concluir.

Isso é tão surreal. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas novamente. É doloroso demais pensar em tudo que ela não vai poder fazer, em como, apesar de clichê, como ela tinha a vida toda pela frente.

Estou pensando nisso quando uma sensação de estar sendo observada me incomoda, é como um formigamento na nuca. Olho ao redor, mas ninguém presta atenção em mim, nem Theo.

A sensação não passa. Ela permanece quando o caixão é descido para a terra e quando todos começam a se despedir. E continua a me acompanhar quando me aproximo dos pais de Sara para os últimos pêsames.

O pai dela me abraça apertado, agradecendo minha presença em um gesto quase automático. Acho que ele nem sabe quem sou. Já a mãe, não parece saber direito onde está ou o que está acontecendo e o padrasto concentra-se na esposa.

Continuo a sentir o formigamento quando entro no carro para ir embora e a sensação só para quando estou longe do cemitério. Consigo relaxar, pelo menos um pouco, pois ainda preciso enfrentar meus amigos ao dizer que quero sair da banda.

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