Capítulo 2: Neve

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A noite finalmente havia chegado. A temperatura não estava quente e nem muito fria. A sensação climática o fazia sentir-se vivo e era quase tão boa quanto o que o aguardava.

Embora não tivesse conhecimento de como ou com quem, sabia exatamente o que faria aquela noite e apenas a ideia do futuro próximo já o deixava em êxtase, pois a memória da última vez não era mais suficiente. No momento, o pensamento de que enfim colocaria em prática seu anseio deixava-o tranquilo e de bom humor. Imaginava que nem o pai seria capaz de incomodá-lo.

No entanto, caso a fantasia não fosse realizada aquela noite, no dia seguinte estaria completamente transformado. Provavelmente seria incapaz de trabalhar e o resultado seria desastroso, colocaria tudo em risco.

Apenas a ideia de não conseguir completar a tarefa deixava-o descontrolado e as mãos fecharam em punho, segurando com tanta força a caneta BIC que estava segurando a ponto de ouvir o plástico que envolve a carga de tinta estralar. Havia trincado a caneta.

Olhou ao redor alarmado, mas os colegas de trabalho estavam todos entretidos nas conversas. Ninguém reparou quão perto de perder o controle ele chegou.

Não, não podia pensar na hipótese de seu desejo não ser saciado dentro das próximas horas, não iria estragar o bom humor pensando que tudo poderia dar errado. Fechou os olhos, respirou fundo algumas vezes e voltou a concentrar em como seria aquela noite, preocupando-se apenas em realizar tudo de forma perfeita.

Guardou a caneta no bolso da calça e enfim pôde despedir dos colegas e ir para casa organizar os últimos preparativos.

Quando finalmente os ponteiros no relógio indicaram que seria hora de começar a caçada, saiu de casa prontamente. Havia alguém esperando por ele e, embora não discriminasse ninguém, torcia para que fosse do sexo feminino e tivesse os cabelos cor de areia ou alguma característica que lembrasse a garota que observara mais cedo no funeral.

Fechou os olhos aproveitando a lembrança e umedeceu os lábios com a língua. O vestido dela era preto com golas brancas, deixando-a parecida com uma boneca. O fato dele ser um tanto curto, bem acima dos joelhos e parando nas coxas, o deixou praticamente louco. Especialmente porque sabia a reação da mãe, caso ela reparasse na garota: desdém.

Mas ele não se importava nem um pouco, tanto que não conseguira tirar os olhos dela, em como o vestido terminava com uma faixa de renda preta, que a meia-calça da mesma cor estava começando a desfiar na altura dos joelhos deixando à mostra a pele clara. Ele queria ver mais. Queria arrancar aquele vestido. Ou talvez apenas a meia calça.

Ele a observava de forma tão intensa que ela notou e ficou incomodada. Transferia o peso de uma perna para a outra, colocava uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhava ao redor procurando a fonte do formigamento na nuca.

Em nenhum momento o olhar se cruzou com o dele, indicando que ela não o descobriu, o que o deixou ainda mais louco e matado todo o tesão causado pelas lembranças da garota no caixão.

Por culpa daquela garota loira com o vestido preto e golas brancas ele precisou agir tão cedo...

Até chegou a cogitar ir atrás dela, mas percebeu que, apesar dela alimentar o desejo de colocar as fantasias em prática, não era com quem que ele queria realizá-las.

Não, ele tinha outros planos para ela. Mas antes, precisaria acalmar a raiva vermelha e isso só seria possível quando a noite fosse um sucesso. Não havia espaço para erros ou falhas.

Apesar de caminhar calmamente, as mãos suavam, a respiração oscilando entre o normal e ofegante. Parecia estar andando por uma eternidade até que finalmente, no seu campo de caçada, no local que sabia ser ideal — um ponto cego nas câmeras de segurança —, uma jovem caminhando sozinha se aproximava. Ela cambaleava um pouco, indicando que havia bebido e quando parou debaixo de um poste para arrumar os sapatos de salto, reconheceu o rosto. Ele a conhecia.

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