Furto simples
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Você é muito intensa.
Já ouvi muitas desculpas esfarrapadas para um término de relacionamento, mas essa tinha uma pitada de verdade. Somente estou incrédula por meu então namorado a distância não ter tido coragem de dizer essas quatro palavrinhas na minha cara, apelando para mensagens no Whatsaspp.
Você deve estar se perguntando... Eu sou intensa em nossa relação amorosa? Intensa na cama? Intensa e estranha por maratonar documentários sobre serial killers?
Não, nada disso. Júlio quis dizer que eu sou muito intensa em relação ao meu trabalho. (Devo abrir um parênteses para admitir que, sim, sou orgulhosamente dedicada à minha profissão.) Com muito custo, precisei provar desde o primeiro período na faculdade que minhas conquistas em nada tinham a ver com o meu sobrenome de prestígio na área. Eu me sentia a própria Ella Woods em Legalmente loira se provando a cada dia e dando a volta por cima no final segurando um chiuaua em uma mão e uma bolsa Prada na outra. Confie em mim, não estou exagerando.
Após sermos aprovadas pela Ordem dos advogados do Brasil, minha melhor amiga, Laís, e eu nos tornamos sócias e abrimos um escritório de advocacia. Ainda somos relativamente novas no mercado, e por isso mesmo nos esforçamos triplamente para firmar nosso nome em uma profissão tão competitiva. Vencer casos é o meu hobby favorito, além de assistir séries e documentários sobre assassinos em série. Porém, eu sonho ainda mais alto. O tribunal é o meu reino por direito, e e um dia eu estarei sentada naquele trono.
O sucesso profissional não deveria ser motivo de vergonha e críticas, muito menos a razão de término de namoro. Nunca julguei Júlio por seus trabalhos aleatórios - variava conforme o semestre - apesar de sempre ouvir piadinhas sem graças como ser "a advogada do diabo". Sempre o apoiei em todas as suas tentativas de empreendimentos falhas e compreendia que suas condições financeiras não eram das melhores para viajar até São Tomé todos os meses. Por isso mesmo, apesar da minha agenda imprevisível, eu sempre encontrava um fim de semana para passar horas dentro de um ônibus executivo, rodando por estradas esburacadas somente para encontrá-lo no Rio de Janeiro.
Eu esperava reciprocidade e recebi um pé na bunda.
O covarde preferiu me dispensar com algumas mensagens. Nem uma ligação, nem mesmo um áudio. Umas. Miseráveis. Mensagens. Não demorou muito para o seu status no Facebook mudar para solteiro, e todas as nossas raras fotos em suas redes sociais desaparecerem. Em meia hora, era como se nosso namoro nunca tivesse existido. Até story em um barzinho na Lapa o cretino já fez!
Bauman chamaria isso de amor líquido.
Bem, ao menos eu sou intensa. Ele nem mesmo chega perto disso, nem em nossa relação amorosa, muito menos na cama. Eu deveria saber que namorar um cara com nome de mês não era boa ideia. Todo mês de Julho vou lembrar do dito cujo mal dotado.
Não se engane, posso estar aparentando lidar muito com ter sido dispensada, mas apenas sou boa demais em disfarçar minhas derrotas. Nunca derrame uma lágrima se for para inflar o ego de um homem, aprendi essa lição muito cedo. Além disso, meu rímel da Lancôme não é a prova d'água, e Julhinho não vale mesmo o prejuízo.
Pelo lado bom, eu tenho um encontro marcado com meu amante estrangeiro Haagens Dazs.
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— Esse fim de mundo não tem um sorvete decente. — Resmungo fechando a porta da enorme geladeira vazia onde deveriam estar os potes de Haagens Dazs, mas encontrei somente picolés baratos.
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Causa ganha
ChickLitVitória • substantivo feminino: ato ou efeito de sair-se vencedor, de triunfar sobre o inimigo, competidor ou antagonista. Não poderia haver duas almas mais competitivas em São Tomé dos Campos do que Selina Conti e Isaac Mendes, acostumados a ter su...