O Raio e o Caçador

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O chefe índio descia calmamente o morro, em cima do seu magnífico corcel negro, um dos mais belos animais a andar por aquelas bandas a anos. Ao longe ele pode ver o local marcado para a reunião. Levaria umas três horas para chegar no lento trote de sua montaria. Ele suspirou olhando para o cavalo. Limpou a garganta algumas vezes, mas o animal se recusou a mexer as orelhas uma única vez.

Uma gostosa brisa acariciava seu rosto. Apesar do assunto que o levava novamente ao lado dos mortais da Floresta Amazônica, ele sorriu. Uma família de lobos-guará passou à sua frente correndo. Garças, gaviões, araras e maritacas voavam no céu azul.

Olhando para o sol ele apertou as rédeas. Os nós dos seus dedos ficaram brancos. Não tinha todo esse tempo, já estava atrasado.

— Hey, meu amigo. Acho melhor dar aquela galopada especial.

O corcel virou a cabeça. Se você consegue imaginar indignação e tédio dançando nos olhos de um cavalo, então conseguiu imaginar o olhar do animal. O chefe índio sabia que viriam alguns resmungos, e segurou o riso quando vieram:

— Vocês, divinos e seus compromissos. Se tinha que chegar rápido por quê não saiu mais cedo?

O cavaleiro ergueu uma sobrancelha e gargalhou, e como reflexo os homens e animais ouviram fortes e poderosos trovões em toda região amazônica, muitos correndo para se esconder da possível chuva que talvez chegasse. Embora os céus estivessem limpos.

— Vocês corcéis dos céus e seu senso de humor. Por quê eu sairia mais cedo se posso ouvir suas piadas e cavalgar a própria luz? Vamos lá, não chamam você de Raio dos Céus à toa.

O corcel rolou os olhos.

— Sorte sua que tenho patas em vez de mãos... Se você não fosse o cacique...

E nesse momento, se você e eu estivéssemos lá, veríamos algo magnífico. Algo que talvez mudasse a nossa definição de magia etérea. Dos olhos do corcel negro saíram raios enquanto ele empinava, relinchando aos céus. Sua crina se transformou em chamas brancas e seu corpo brilhou mais forte que o despontar do sol no início do dia quebrando a escuridão da noite.

O chefe índio gargalhou mais uma vez, agarrando—se à crina de sua montaria. Qualquer homem ou mulher que pudesse presenciar aquela fantástica visão nunca esqueceria. Índios, negros e brancos ouviram novamente os trovões. Um padre de uma cidadezinha interrompeu o sermão, engolindo em seco. Um pajé de uma tribo na outra ponta da Amazônia levou a mão à testa em respeito. Um xamã que instruía indiozinhos no centro do estado disse às crianças que aquilo era a própria personificação dos elementos naturais.

Não que essa informação fosse de toda errada, mas não transmitia a total verdade.

Apenas um segundo depois, quando os pés do corcel tocassem o chão, em nossas limitadas mentes humanas imaginaríamos que eles tinham desaparecido.

Quando na verdade se moveram como a luz.

❍❍❍❖❍❍❍

— Está atrasado como sempre — disse o caçador quando Raio dos Céus chegou à clareira.

O cavaleiro segurou as palavras que estavam para sair da sua boca. O caçador nunca se atrasava. Mas não esperava que ele fosse o primeiro a chegar.

O corcel relinchou insatisfeito.

— Atrasado? Ele disse que eu estou atrasado? Eu chego no horário, amigo. Fale para o mestre do trovão aqui sair mais cedo de casa da próxima vez.

O caçador franziu mais ainda o rosto frente ao desaforo do corcel. Estava claro que ele não estava feliz em esperar por ele, o cacique. O desprezo no olhar e a raiva sentida nas palavras eram só um indicativo. E agora precisava aguentar o cavalo mais desbocado dos céus lhe retrucando. Não bastava ter que se encontrar com ele. De ser obrigado a comparecer, por ser uma ordem do cacique. Um maldito título que deveria ser seu.

Contos dos Herdeiros da Vida e da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora