Sempre vivi com minha mãe, meus avôs. E sério não vou dizer que minha vida fora triste, pois não foi. Isso seria mentira.
Brinquei, estudei, me criei, fui mulher, me casei, fui mãe, fui avó, e olhe hoje eu estou aqui me preparando para uma nova passagem, “A morte”.
Esses foram oitenta anos bem vividos! Sábios anos estes, pois a cada novo eu descobria o quão inocente eu era e o quanto mesmo depois de tudo eu o queria aqui. Mas agora a saudades dos meus pais é muito grande, do meu vozinho que tão jovem se foi, do meu amor que já não está mais aqui comigo! Há mãe, que bom será ter novamente teu abraço, e rever seu sorriso banguela vovô, e meu amor que falta me faz a cada noite que me deito sozinha.
Se me perguntarem se estou triste; não. Eu quero isto, sei que é minha hora, estou preparada. Meu corpo já não é mais o mesmo, hoje já gasto pelo tempo ele está a dar defeitos e as dores são horríveis, já me sinto ansiosa para revê-los, por esse alivio no corpo e na alma que tanto desejo.
Tenho questões a resolver com algumas pessoas que foram para lá! Não sei o que é lá, não acredito em paraíso ou inferno, isto para mim é lorota contada para confortar fracos corações humanos! Mas acredito que haja algo à mais e que eu poderei recomeçar em breve uma nova vida, só tenho que me preparar para renascer.
Mas há alguém em especial que preciso conhecer, certo rapaz, loiro de lindos olhos verdes, que um dia com sua conversa suave, e riso fácil, encantou minha mãe.
Enfim, graças a ele estou aqui! Não sei se por medo, covardia ou por simplesmente não me amar, foi embora e minha vida foi assim, como um anjo, um anjo quebrado.
Quando nasci ele não estava lá, para me falar “Bem vinda ao mundo princesa!”. O meu primeiro sorriso ele não viu, meus passos, tropeços, os tombos, as vitórias, os erros e acertos da minha vida. Jamais tive seu abraço, seu conforto sua proteção. Mas mesmo em sua ausência, em sua falta, eu tinha alguém, a vida me deu um anjo, que apesar de eu o chamar pelo nome, era o meu pai, só que de coração!
Mas o de verdade me fez falta no Natal eu pedia ao Papai Noel “Me dê meu paizinho que amo tanto!” Aí eu cresci e comecei a pensar; “Ele não me ama, nunca veio me ver, eu o odeio, quero soca-lo e dizer lhe verdades.” Mas depois de um tempo, te procurei e a raiva havia passado, agora eu sabia que o que sempre quis foram respostas. Até te achei mas você não era mais vivo e aquilo me deixou mal. Por que por sua culpa eu sempre fui assim, um anjo, um anjo quebrado.
Queria ter te mostrado o meu melhor, mas não foi o suficiente, eu sei que nunca me quis, não da maneira que eu queria ser amada, e embora em muitos momentos eu tenha me sentido como um erro, sabe que você não vale todas estas lágrimas que não vão embora. Eu sei que por mais que eu tente impressioná-lo, você não vai ver, assim como em vida não viu, você me deixou triste, esmagou alguns sonhos, eu cresci achando ser culpada de algo que eu não era, não tem a menor responsabilidade por seus erros, as escolhas foram suas, eu achava que eu havia feito algo errado para você não me amar.
Eu queria as respostas das minhas perguntas, eu queria ouvir “Me perdoe filha.” De seus lábios, mas até isto você me negou e foi embora novamente para eu nunca mais te encontrar. E por mais que eu me faça de forte, eu ainda sinto o mesmo, esta mesma angustia que eu duvido que sinta, a mesma dor e angustia de quando eu era aquela menina que brilhava como um anjo, mesmo alguém a tendo colocado em um inferno, dentro de si.
Hoje eu compreendo que o erro não foi meu e você sempre iria me deixar, mesmo sendo sua filha, o sangue em minhas veias nos cria um elo, mas seu nome eu não levo, e por sua culpa eu sempre serei assim. Um anjo quebrado, sou sua filha, filha de quem você roubou os sonhos. É pai logo eu estarei aí. Meus famíliares finalmente me abraçam e ansiosa sigo em paz, vou lhe ver, lhe perguntar tudo que não pude e rever os que tanto amo e finalmente deixarei de ser assim, como aquele anjo que quando menina brilhava, um anjo quebrado.
