Navio

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— Podem relaxar, senhores. O Águia não existe, e mesmo se existisse, não teria como roubar a Amostra em tão pouco tempo.

Era uma tarde quente na ponte de comando da fragata USS Hawk, e o cheiro de água salgada já começava a nausear aqueles três oficiais. Haviam acabado de ultrapassar as ilhas Turcas e Caicos e estavam na imensidão do Oceano Atlântico — longe dos conflitos no Vietnã e na União Soviética — mas nem um pouco sossegados. A tenente Mallory não tirava a atenção do radar, protegendo os olhos dourado-caramelo da luz forte do monitor com seus óculos de aro grosso. Já o agente Ramirez estava inquieto, segurando uma máscara de mergulhador em suas mãos e coçando a cabeça, desarrumando seu cabelo cheio de brilhantina, enquanto o restante da tripulação continuava concentrada em seus postos.

E, em pé no meio deles, estava o agente da CIA Samuel S. Thompson, um homem alto e barbudo na casa dos trinta, o tipo sistemático que não se atrasaria nem para a própria execução.

— Você já ouviu as histórias, Sam? — Perguntou Mallory, ainda vidrada no monitor.

— Claro que já — Interrompeu o jovem Ramirez. — Sam, Michael e eu estávamos na costa do Marrocos quando ouvimos o pelotão de murtaziq conversar sobre um espião sem país, que atravessou a Cortina de Ferro com uma família de desertores alemães usando só uma pistola prateada.

— É ficção, garoto — Disse Sam, respirando fundo — Ninguém atravessa. É só uma história pra passar o tempo, como os seriados de guerra que você assiste na tevê.

— Eu não sei — Disse a oficial de comunicações. — Eu ouvi histórias também, Sammy. Como a do agente secreto que assassinou um general americano na base de Bien Hoa, no Vietnã. Dizem que ele usava uma pistola prateada do mesmo jeito.

— São só conversa, Mal. De todo jeito, quanto tempo falta pra chegarmos em Jacksonville?

— Quarenta minutos, Sam.

Pensar nos acontecimentos daquela manhã deixava Samuel com dor de cabeça. Primeiro, Michael — seu amigo e primeiro-oficial da embarcação — achou dois itens extremamente perturbadores na proa do navio: uma máscara de mergulhador e um arpão pintado de prata. Se fosse durante qualquer outra missão, eles deixariam a curiosidade de lado, mas a natureza daquela tarefa em particular deixou Michael em pânico.

Logo, eles trouxeram os itens pra ponte de comando e começaram a discutir o assunto com o resto da tripulação.

— Às vezes é só outra das pegadinhas de Mike. — Argumentou Ramirez, jogando a máscara no colo de Mallory — Você sabe como ele não tem limites pra essas coisas.

— Ele não faz por mal. Só quer promover a sintonia entre os membros do esquadrão.

— Nós não estamos mais na Guerra da Coreia, Sam. Não estamos lutando aqui.

— Ainda assim. União é importante — Disse Samuel, sorrindo. Ele colocou gentilmente a mão no ombro de Mallory, que retribuiu com um sorriso.

— Vai ficar tudo bem. Mike foi fazer uma ronda na sala de máquinas faz pouco mais de uma hora, e te garanto que ele não encontrou nenhuma Águia por lá.

O sorriso de Mallory desapareceu, dando lugar a uma expressão de espanto.

— Uma hora atrás? Por que ele ainda não voltou?

A pergunta espantou aos três.

— ... deve ter tirado um cochilo ou algo assim, não?

— Deve — Respondeu Sam, franzindo as sobrancelhas. De todo jeito, posso ir checar.

Não demorou muito para Samuel encontrá-lo.

Tudo o que bastou foi chamar seu nome na popa e na proa algumas vezes para saber exatamente o que havia acontecido.

Mesmo assim, nada reduziu o choque de ver o corpo de Michael amarrado em um cano no meio da sala de máquinas, seu crânio perfurado cheirando a pólvora. 

Águia e GaviãoOnde histórias criam vida. Descubra agora