10 - Volte e venha ver, tudo em mim mudou

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música do capítulo: Impossível acreditar que perdi você - Fábio Jr.


*POV: Marina*

No dia do casamento de Clarice, fiquei muito pensativa. Sabia que ela estava muito feliz, mas alguma coisa no olhar dela me dizia que seu pensamento estava metade ali, e metade longe. E eu conhecia minha amiga o suficiente pra afirmar isso. No começo do relacionamento dela com Arthur, ela me afirmava que não gostava dele tanto quanto gostou de Otávio, mas "que queria aprender". Será que aprendeu? Também no começo desse relacionamento, ela me falava com mais frequência sobre Otávio, em algumas vezes que foi à São Paulo com Arthur a negócios, me falava que procurava Otávio por toda parte, que seus olhos o viam como uma miragem. Lembrei de uma conversa que tivemos que ela estava muito agoniada, logo depois de uma dessas viagens, se sentia culpada por ainda gostar tanto de Otávio. Eu me perguntava como pode uma pessoa amar tanto outra, tendo vivido apenas um ano perto dela... mas, quando parava pra pensar, encontrava as respostas: Clarice foi sozinha pra Portugal e encontrou nele um porto seguro enorme, passava dias grudada nele, acredito que isso torna tudo muito mais intenso.

Pra falar a verdade, eu torcia tanto pra que Otávio achasse Clarice. Acredito muito em destino e acreditava piamente que o amor da vida de Clarice era Otávio, e não Arthur. Porém, não tinha absolutamente nada contra Arthur, pelo contrário, ele cuidava de minha amiga como ninguém e ainda era muito legal. A tratava bem, cuidou dela quando seus pais morreram, cuida da empresa junto dela, e isso pra mim já era motivo suficiente para admirá-lo. E sim, ele era absurdamente apaixonado por Clarice e os dois formavam um casal de novela! Não sei se pros outros era tão visível quanto pra mim, mas sempre deu pra perceber que Arthur gostava muito mais de Clarice do que ela dele. Apesar da realidade dessa relação ter mudado nos últimos tempos, Clarice já mal citava Otávio em nossas conversas, coisa que era muito recorrente antes. Antes de seu casamento, ela me contou estar muito feliz mas confessou que ainda queria tanto encontrar com Otávio, nem que fosse pra perguntar o que aconteceu. Só tenho medo que sua felicidade seja por fragilidade ou conveniência, pela morte de seus pais, pela sua dor e pelo cuidado que Arthur teve com ela. Tremo apenas em pensar que um dia Arthur descubra de Otávio, pois Clarice nunca o havia contado.

No jantar de comemoração preparado por Lina, depois de comermos e ouvirmos a declaração linda que Arthur feliz à Clarice e vice-versa, todos os presentes conversavam na sala enquanto bebíamos vinho. Levantei da poltrona em que estava e chamei Clarice, que especificamente nesse momento estava com o olhar e pensamento mais distante que o normal.

M: E aí, Cla? Ansiosa pra sua nova vida de casada? - sorri - Você sabe que é outra vida, né?
C: Ah, ansiosa não tô não... mas acho que não deve ser nem um bicho de sete cabeças.
M: Ei! Calma... eu tava brincando com você, apesar de ser mesmo verdade que é outra vida. Mas eu sei que você está preparada, até porque é muito responsável e cuidadosa, amiga.
C: Você já foi casada pra saber?
M: Nossa Senhora, Clarice! Que defensiva é essa? O que aconteceu? Eu lhe chamei porque percebi seu olhar tão distante e você vem com essa...
C: Ai, me desculpe, Marina! Minha cabeça tá fervilhando! Você sabe o que foi...
M: Clarice, eu não acredito que você casou pensando no... - ela me interrompeu antes que eu terminasse
C: Shiu! Fala baixo, Marina! Tá louca? Não foi pensando nele exatamente, foi pensando em como seria se tudo tivesse sido diferente.
M: Diferente com ele, né? Então é nele! Amiga, eu só quero que tudo dê certo, que vocês sejam muito felizes e que você não se arrependa!
C: Marina, não tenho porque me arrepender. Eu realmente aprendi a amar o Arthur, ele é ótimo! Cuida de mim como ninguém, esteve comigo quando meus pais se foram, tanta coisa... Eu penso em Otávio sim, mas é querendo uma resposta, saber onde ele está, contar a ele que esperei um filho nosso, que esperei ele no aeroporto, tanta coisa... foi muito pra hoje ser tão pouco, entende? Queria respostas. Só isso. Não tenho porque me arrepender de Arthur.

Voltamos pra sala e logo nos introduzimos na conversa de todos novamente.

*POV: Otávio*

Depois daquele dia que eu não levantei da mesa para impedir Clarice de ir embora e também do dia que não mais a encontrei no aeroporto, muita coisa em mim mudou. Nós, seres humanos, aprendemos com nossos erros. Precisei passar por invernos frios e secos para receber as flores que me esperavam na primavera. Paguei um preço alto e amargo pelo que aconteceu, me culpei durante tempos. Tranquei a faculdade num período "boêmio" de minha vida, voltei pro Brasil, chegava em casa embriagado e brigava com meus pais. Sempre que podia, ia ao Rio de Janeiro, fosse para acompanhar meu pai, fosse sozinho, dizendo aos meus pais que ia visitar um amigo, quando, na verdade, procurava por Clarice em todas as ruas da cidade. Lembrava dos lugares que ela me dizia gostar no Rio de Janeiro e fazia um roteiro por todos eles procurando por ela... em vão. Me recusava a conhecer novas mulheres e meus pais sempre tentavam me apresentar à filhas de amigos, eu conversava mas logo as dava um fora, não estava bem o suficiente.
Mas, em 1990, sozinho em um bar, vi Luísa e a conheci de uma forma, digamos... peculiar. E me permiti conhecê-la.

L: Garçom, me vê uma água, por favor. - olhei para o lado e vi a mulher estonteante que havia se sentado no banco ao meu lado no balcão
O: Uma água? A essa hora e num bar... uma água! - ri
L: Agora aqui existem os que dão palpite no nosso pedido? - ela disse para o garçom, se referindo à mim. Eu já estava um pouco bêbado, mal conseguia assimilar direito o que estava acontecendo ou o que dizia
- Liga não, dona! Esse aí tá aqui desde cedo, já deve estar mais pra lá do que pra cá... - disse o garçom enquanto dava a água da mulher
L: Então quer dizer que você tá frustrado? Essa hora, num bar, sozinho, no meio da semana, só pode ser isso.
O: Eu dei palpite na sua bebida, não foi na sua vida, senhora.
L: As bebidas dizem muito de nós. E eu sei do que tô falando, moço. Acha que tô aqui porque?
O: Então quem foi que machucou uma mulher linda dessas? - eu soltei um ar de riso, a essa altura, o mundo já estava rodando e só mesmo meu coração de poeta boêmio pra me fazer dizer tudo aquilo
L: Um namorado... mas não vamos falar sobre isso que eu acabei de ver o cafageste com outra! Vocês, homens... nenhum presta! - ela deu uma piscadela
O: Não ofenda a minha classe, por favor. - rimos juntos - Depois dessa, vou ao banheiro. Com licença. - desci do banco e quase caí, mas Luísa me segurou
L: Opa!
O: Desculpe... sabe como é, o mundo já tá rodando! - ri e me soltei dela, indo em direção ao banheiro andando em zigue zagues, ia caindo novamente e me apoiei no balcão, mas não vi que tinha uma garrafa de cerveja em cima. A garrafa caiu e acabou ferindo meu pé, cai no chão na mesma hora e feri também a mão. Luísa se assustou e de imediato levantou-se para me ajudar, o garçom também veio.
L: Meu Deus! Você está bem??? - eles se agacharam e colocaram meus braços por sob seus ombros, facilitando para me levantar. Me puseram sentado numa cadeira que havia ao lado
O: Ai! Acho que tô... - dei uma pausa e fiz uma careta por conta da dor - mas acho que ainda tem alguma coisa no meu pé
- Vou tentar buscar alguma coisa pra cobrir o pé dele. Tá muito machucado!
L: Você tem que ir pra casa... olha como você tá! Meu Deus! - ela mexia na minha mão e tentava limpar o sangue com alguns guardanapos - Como você se chama?
O: Otávio! Prazer! E me desculpe pelo que disse antes com você, não foi minha intenção. - a queda parecia ter me dado um pouco de sobriedade
L: Não há problema. Me chamo Luísa. Você veio de carro?
O: Quem dera! - ri - Vim de ônibus mesmo... mas minha casa não fica muito distante. Não se preocupe.

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