14 - Para o nosso mal não há remédio, coração

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música do capítulo: segredo - Ney Matogrosso

*POV: Otávio*

Cheguei ao Rio sem ter muitas pessoas conhecidas, mas, obviamente, não estava perdido. Estava mais perdido em mim mesmo que na cidade. Perdido em angústias, inseguranças e incertezas. Sem saber quanto tempo eu aguentaria ficar sozinho. Eu ainda era um homem marcado pelas escolhas do meu subconsciente.

Peguei um táxi no aeroporto e lhe mostrei o papel que meu pai havia me dado, lá estava escrito o endereço do prédio em Ipanema que eu agora moraria. Meu pai quis pagar o aluguel pra mim pelo menos enquanto as coisas se estabilizassem aqui, eu não queria aceitar, mas Luísa me convenceu. O apartamento era de um amigo de meu pai que havia se mudado recentemente pra São Paulo, então ele conseguiu um bom negócio no aluguel. O prédio parecia ser antigo, mas bem cuidado. O táxi parou na frente, busquei minha mala e entrei no local, havia uma pequena guarita do porteiro.

O: Boa noite!
– Boa noite! O senhor quer ajuda?
O: Se possível, agradeço! – sorri para o simpático senhor
– Pra qual apartamento o senhor vai? – o homem disse me ajudando com a mala
O: Sou o novo morador do 503!
– Aaaah, é? Seja bem vindo, rapaz! Qual o seu nome? – ele apertou minha mão e ambos sorrimos
O: Otávio. E o seu? Muito obrigada!
– O meu é Antônio. Mas pode me chamar de Jucá, é meu sobrenome mas por aqui a rapaziada só me conhece assim.
O: Pô, prazer, seu Jucá!
J: O prazer é todo meu, Otávio. Você já tá com a chave do seu novo apartamento, rapaz?
O: Tô sim, tá aqui, deixa eu achar... – busquei a chave no bolso de minha calça – Aqui, ó!
J: Então vai lá – ele abriu o segundo portão, que dava nas garagens do prédio – Se precisar de qualquer coisa, estou às ordens!
O: Muito obrigada!

Subi para o 5º andar, o elevador denunciava o quão velho o prédio era. Com porta pantográfica, o pequeno elevador me deixou na porta do meu novo lugar. Entrei com o pé direito e lembrei das orientações de mamãe. Sorri sozinho. Olhei em volta e o apartamento era grande: sala, duas suítes, cozinha, banheiro social e uma varanda que não dava pro mar, mas era quase. Conseguia vê-lo no intervalo de dois prédios logo a frente. Eu estava a apenas duas quadras da praia. Olhei a rua, parecia ser uma boa localização, vi uma quitanda de frutas, alguns restaurantes, um bar, sorveteria e um supermercado, tudo bem próximo. Bati algumas almofadas que estavam no sofá e decidi sair pra comer alguma coisa, estava faminto e já era quase nove da noite. Desci novamente e fui em busca de algo pra jantar.

J: Tudo certo por lá, seu Otávio?
O: Tudo tranquilo, Jucá. Ah, e por favor, sem esse "seu" na frente do meu nome. Estou saindo pra comer alguma coisa. Alguma recomendação?
J: Olha, tem uns três restaurantes diferentes bem aí na esquina. O pessoal sempre come muito lá no de massas.
O: Obrigada, camarada! Vou indo lá se não fica tarde demais...

Adentrei o local e lembrei de Luísa, ela ama comida italiana. Lembrei que ainda não havia falado com ela desde que cheguei aqui, tirei do bolso o meu "tijolão" da época, ou melhor, meu celular! Liguei pra sua casa.

L: Ei! Pensei que tinha acontecido alguma coisa! Como está por aí, hum?
O: Oi, meu amor! Você sabe que eu não esqueço... só estava eufórico e vim lembrar agora. Está tudo bem! O apartamento é grande, sabia? Adorei a localização.
L: Mesmo? Que bom!!!
O: Agora tô aqui, sozinho, sentado num restaurante italiano bem próximo do prédio, esperando pra jantar. Ah! E ainda tá tocando, ó... - afastei o celular do rosto um pouco pra que ela pudesse ouvir – escutou?
L: Ahhhhh, não acredito! Laura Pausini? Como eu queria estar aí do seu lado, meu amor!
O: Mas logo, logo você vai estar, meu bem. Te espero, enquanto isso.
L: Não vejo a hora!
O: Amor, vou desligar agora porque vou fazer meu pedido. O garçom está aguardando. Beijo! Te amo!
L: Beijo, meu amor. Qualquer coisa, liga. Te amo!

Desliguei e fiz o meu pedido, jantei e pedi uma taça de vinho pra acompanhar. Estava receoso em beber, mas o momento pedia. Depois das minhas crises de alcoolismo, eu costumava beber apenas quando estava em família ou amigos, me sentia mais seguro. Mas achava que beber aquela taça de vinho não me deixaria fraco. O que eu não sabia era que, pelo misto de emoções, eu estava vulnerável. Bebi três taças de vinho e já sentia que se eu levantasse, iria tropeçar. Achei melhor pagar a conta e ir pra casa, assim o fiz.

Caminhando pela calçada voltando pra casa, vi uma mulher muito, muito parecida com Clarice entrando em um outro restaurante. Aquele momento me trouxe um pouco mais de sobriedade.

O: Clarice? – falei em um tom de voz mais alto e curioso, erguendo a cabeça

A mulher entrou no ambiente, eu olhei através das janelas de vidro do local, não encontrei. Parecia Clarice, eu tenho quase certeza que de fato era. Não é possível que eu tenha confundido a mulher por quem eu tanto tempo fui apaixonado e se duvidar, ainda gosto. E logo agora, no meu primeiro dia morando no Rio, sua imagem me aparece como um vulto. Certos amores parecem não descansar mesmo.

Meus pensamentos agora voavam na minha cabeça. Iam longe. Se aquela mulher era Clarice, ela me viu. A mulher olhou rápido pra mim, mas tenho certeza que me viu. Será que era mesmo Clarice? Será qur tudo isso não é fruto das 3 taças de vinho? Ou melhor: porque essas 3 taças haviam despertado justamente esse sentimento já há tanto tempo silenciado?

Lembra de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora