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.I

Geralt estava parado diante daquela velha conhecida porta, sentindo-se à trinta metros de distância, mas era apenas uma fechadura e alguns centímetros de madeira que o separavam dela. Seus dedos enluvados batiam nervosamente nas pernas, estava mordendo o lábio inferior, colorindo-o de vermelho, contemplando, pensando, suavizando a idéia em processo na sua própria mente.

Ele não podia vê-la agora naquele estado. O bruxo estava uma bagunça, ainda cheio de adrenalina pela última caçada que havia terminado brutalmente. Tudo que ele conseguia se lembrar era do rio de sangue, crânios abertos, ruídos e o eco fraco dos gritos. Seus olhos se fecharam, cílios longos beijaram suas bochechas. Ele procurou apagar as memórias agarradas à própria mente, desejando virar as costas para aquela maldita porta, dar o fora, e finalmente se livrar das lembranças.

Certamente ela irá responder. Ela sempre respondeu.

O que estava impedindo ele? Sua própria traição? Os erros do passado o assombravam, mergulhando profundamente em sua pele, ele quase podia enxergar a si mesmo se esquivando quando mais necessitava dela. Então era isso! Geralt de Rívia estava provando da idéia de que precisava de uma mulher. Aquilo tinha um gosto afiado em seus lábios, era viciante e doentio. Um vinho envenenado com o qual ele estava desesperado para se embebedar. A lembrança dela nunca saía de sua cabeça. E ele estava sozinho naquela terra hostil, um caçador, arrancado de todas as coisas que o mundo diz que as pessoas precisam para sobreviver.

Ela não é nada disso. Ela era tudo o que ele gostaria de ser. E ele precisava dela. Talvez não para sempre, mas nenhum outro momento deveria passar sem que estivesse perto dela.

Suspirou profundamente, erguendo o punho para bater na porta. Ele esteve lá tantas vezes que o estampido da madeira oca soava familiar. Geralt estalou levemente o pescoço dolorido, olhando para o feio teto rústico da varanda, quando passos miúdos se aproximaram do outro lado da porta. Ela se abriu e o seu coração bateu mais rápido, desconhecendo os limites de suas costelas, muito prestes a escapar.

O mundo se acalmou por um instante e ela já estava diante dele, vestida em sedas finas, com os pés desnudos e os cabelos soltos, perfumados por lilases. Havia uma faísca calorosa em seus olhos repletos de curiosidade, brilhantes nas cores aconchegantes de um lar. Ele não sabia como encontrar as palavras. Faz tanto tempo.

"Gerry", ela sussurrou baixinho, mesmo que ninguém estivesse por perto para ouvir a maneira gentil com que dizia o apelido que tinha reivindicado como seu. Seus braços se cruzaram, havia uma brisa fria pairando no ar e ele a viu tremer. Os olhos dela o examinavam, procurando uma ferida ou doença. Geralt estava bem e seguro. Ela não tinha com o que se preocupar. "Entre", continuou, dando um passo atrás, oferecendo a ele espaço para ultrapassar o limiar da porta. A aura de poder e destruição seguiu o riviano sala adentro.


.II

Os olhos dela visualizam a espada presa as costas do bruxo por um cinturão e o punhal no cano da bota. Ele ainda é o mesmo. A porta se fechou atrás dele e ele não pareceu estranho àquela morada. Ervas, incensos e grimórios se espalhavam por todos os lados. O bruxo memorizou pequenos detalhes sobre os quais não se lembrava desde a última visita. Não negava que toda a personalidade dela estava impregnada nos quatro cantos daquela casa. Ele se sentia naturalmente bem-vindo ali.

"Obrigado por me receber", disse ele, manejando um maço fresco de ervas verdes com aroma puro. O bruxo sentia os olhos dela sobre si, amáveis e vibrantes.

"Eu nunca o recusaria", os braços dela continuavam cruzados sobre o peito. A mulher estava congelando. Geralt franziu a testa incomodado. Tinha trazido os ventos frios e o ar gelado da noite consigo.

Bitter -  𝗀𝖾𝗋𝖺𝗅𝗍 𝖽𝖾 𝗋𝗂𝗏𝗂𝖺Where stories live. Discover now