História pouco convencional sobre amor, timidez e sociedades secretas

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I

As pistas da existência dos semelhantes foram sugeridas no indecifrável Manuscrito Voynich, com a Biblioteca de Nag Hammadi fazendo referência a alguns de seus "heresiarcas" gnósticos. Uns defendiam as ideias de Basilides e acreditavam em um Deus rancoroso; os docetistas diziam que Jesus não existiu na forma humana e que a crucificação era uma ideia simbólica. Quando o códice Tchacos e o Evangelho de Judas foram encontrados no deserto egípcio, permitiram intuir a traição de Judas para seguir ordem de Deus, uma tese que os semelhantes gostavam; reforçava a crença de que o universo é um jogo de espelhos, a explicação para o nome da sociedade secreta.

Meu contato com os semelhantes se deu da forma menos convencional possível. Nunca tive vocação para aventureiro ou caçador de segredos. Não era falta de vontade ou conhecimento, coisa que poucas vezes minha modéstia permitiu assumir. Penso que todos os aventureiros são desbravadores. Eu sou o contrário, um estudante de história que cultiva um medo patológico de coisas muito simples.

Isso não pode ser explicado com metáforas, só com exemplos. Tenho a doença daqueles que se assustam com a rejeição social: medo de comer na frente de outras pessoas; usar banheiros públicos; assinar documentos; servir colegas; caminhar; conversar com mulheres e me envolver em jogos de flerte. Mas a maior frustração da minha vida é a paixão por Amélia Ecioj, meu amor platônico de adolescência. Pode um sentimento bonito ser inesgotável fonte de frustração? Eu acredito que sim. Nunca disse um "oi" para ela e a mera possibilidade me desperta pavor. Sentir medo de interagir com o que mais gosta é a maldição de alguns homens.

A primeira vez que ouviu falar sobre os semelhantes foi por meio de um colega ocultista. Disse que eram capazes de fazer uma pessoa assassinar seu pior lado — o mais infame, medroso, irritadiço, problemático e melancólico. A possibilidade de vencer o medo de conversar com Amélia Ecioj me empolgou tanto que passei semanas perguntando sobre o assunto, sempre obtendo respostas vagas. Um dia, confessou que era uma simples curiosidade acadêmica e que se baseou em um artigo de um pesquisador chamado Fernando Vicente; o papel poderia ser encontrado na biblioteca da universidade. Este é um trecho que resume sua tese.

"(...) têm como o primeiro documento que atesta sua existência. Os antigos chamavam se Serra de Sabarabuçu. Não encontraram. O erro foi acreditar que era um lugar. Na verdade, sempre se tratou de um manuscrito com o nome "Serra de Sabarabuçu", revelando a possibilidade de realizar desejos chamados "resplandecentes". A montanha de ouro é uma metáfora. Eu mesmo tive acesso ao manuscrito antes de ser furtado, o que impediu suas ideias de chegarem na academia. O documento era uma das poucas provas da existência dos semelhantes. Meu grande interesse sempre foi por suas referências intelectuais, uma mistura de gnosticismo e filosofia analítica. Faziam muita citações a nomes como Roy Wood Sellars e seu filho, Wilfrid Sellars; estendiam o nominalismo psicológico e diziam que todos estados psicológicos vinham da linguagem. A maior parte dos membros se reconhecia como vagamente nominalista de semelhança, a ideia de que ser similar é o que definia as coisas e as tornava possíveis, tendo o reflexo como matéria-prima do mundo. Também eram empiristas e diziam que pessoas não existem, só um conjunto de impressões sensoriais. Por isso, tudo seria possível. Um temeroso poderia se tornar um corajoso assassinando seu pior lado (...)".

Particularmente acreditava que se tratava de ficção, um ensaio de um acadêmico que precisava chamar atenção para si. Ainda assim, quis confirmar que a sociedade secreta de fato não existia. A possibilidade de assassinar meu pior lado e vencer "magicamente" o medo de falar com Amélia me fez sair em busca de Fernando Vicente nos mais variados lugares. Descobri que de fato tinha um currículo acadêmico importante, embora tivesse se aposentado há mais de 20 anos. Não foi fácil encontrá-lo.

Uma história pouco convencional sobre amor, timidez e sociedades secretasWhere stories live. Discover now