Você foi convocado para a AA

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Virtus já estava hipnotizado com a tranquilidade do voo, e já estava chegando próximo ao galpão de Gord, porém, alguém o atingiu de longe. Estava chovendo intensamente, como de costume naquele planeta, mas o descaso transformou as simples e refrescantes gotas de chuva em canivetes, que só aumentavam mais a dor de Virtus. Aos poucos, as asas dele foram se recolhendo até desaparecem em suas costas. Por sorte, a queda de Virtus foi amortecida pelo pequeno dossel fechado que, na hora, estava abaixo dele, porque se dependesse do saco com objetos apanhados ele se machucaria ainda mais, contudo, ele ainda estava com a boca sangrando e a panturrilha ralada. A dor estava passando e ele já conseguia andar, tentou novamente fazer com que as asas aparecessem, mas não funcionava. Para tornar aquilo pior, ainda havia a angustia da preocupação, uma vez que combinou com Gord de entregar os pertences no mesmo dia do roubo, que era logo no ultimo dia do prazo estabelecido pelo chefe miliciano, e as consequências de não cumprir um acordo com ele eram totalmente imprevisíveis e perigosas. Muitas das coisas no saco estavam quebradas, e mesmo assim, ainda eram muito pesadas para ele carregá-las a pé. Sem ideia do que fazer, ele congelou, ficou parado na clareira até ouvir um som de passos vindos de dentro da floresta. Naquele momento, Virtus se viu condenado, deduziu que fossem os seguranças e logo imaginou sendo preso e piorando ainda mais a situação da sua família.
No meio das árvores, surge um vulto desenhando a silhueta de alguém que não parece nenhum dos guardas, era menor que eles. Era uma mulher. Ela vestia um traje equipado com capacete, comunicadores e vários outros implementos próprios para um soldado astronauta. Quando a misteriosa mulher de outro mundo foi se aproximando, o traje recolheu seu capacete e mostrou ter uma aparência humanoide, porém com grande predominância felina.
Com Virtus no chão, os dois tiveram uma breve e intensa troca de olhares ameaçadora. Perplexo com aquilo tudo, Virtus limpou o sangue de sua boca e perguntou:
—Quem é você?— Perguntou Virtus com uma voz cansada e enraivecida.
—Eu? Eu sou Spivla, a mulher que te derrubou. — Falou Spivla em tom orgulhoso debochante.
—Sua insân...
—Deixa eu terminar de me apresentar, querido.— Disse a felina, interrompendo a raiva de Virtus. —Eu te derrubei porque era a única forma segura d’eu falar com você. Andei te observando, e vi suas habilidades.
—Bom saber que eu tenho uma admiradora secreta— Disse Virtus, fazendo piada com a situação.
—Não foi isso que eu quis dizer, eu preciso que você leve isso mais a sério! Há um ano, eu tive uma reunião com os representantes de todos os planetas do universo, e lá eu propus a criação de uma agencia universal de proteção à paz, algo que eu nomeei de Agência Artemis. Muitos prodígios estão agora mesmo em uma academia de formação de recrutas, porém eu preciso de verdadeiros soldados escolhidos a dedo para missões mais importantes—.
—Verdadeiros soldados? Eu mal consigo pegar um chifre de boi, sem contar que eu nunca tive nenhum treinamento. Porque não chama alguém que todos sabem que é habilidoso, já ouviu falar no Tibary? E vem cá... Como raios você me encontrou?
—Tibary é um guerreiro excelente, mas é alguém muito conhecido, crianças até cantam músicas nas escolas sobre ele. Precisamos de alguém que é discreto, e tem muitas habilidades. Aliás, eu gostei da sua estratégia do roubo, só acho que precisa ser menos arriscado.
—Você ainda não me disse como me achou. — Disse o Ranaeano em tonalidade imponente.
—Eu devia contar isso, mas... De alguma forma, você nasceu com uma pequena quantidade ‘umbralina’ no seu DNA, é um raro elemento que libera muita radiação não-nociva pelo universo que é possível de ser rastreada.
—Caramba... — A chuva já diminuía quando um silêncio tomou aquela clareira. Eram muitas informações sendo disparadas contra a mente de Virtus, e quanto mais ele sabia mais ele tinha dúvidas.
—E minha família? Oque ela ganha se eu aceitar?— Indagou Virtus
—Já foi enviada em seu nome uma maleta novecentos mil Tokens Anfibis para o ‘Gord’ e mais uma maleta com um milhão já estão a caminho da sua casa. Acho que vai ajudar com a loja e com o câncer do seu avô.
—Uau, nunca foi tão fácil conseguir dinhei... Espera... CÂNCER DO MEU AVÔ?!
—Você não sabia?!— Respondeu Spivla, surpresa.
Aquilo já era o suficiente para Virtus, ele finalmente conseguiu fazer suas asas aparecerem novamente, e em um bater asas estrondoso, ele voou mais rápido do que nunca para sua casa e foi falar com o avô dele, porque sabia que poderia ser uma das ultimas vezes. Enquanto isso, Spivla ficou parada na clareira pensando no que fazer com Virtus uma vez que esta ultima parte não estava nos seus planos. Ao chegar próximo da casa, ele aterrissou para que ninguém veja os poderes dele, e foi direto chamar seu avô que gostava muito de ler em sua pequena canoa. Ele foi nadando até chegar onde ele estava, e com uma expressão preocupadíssima estampada em sua face ele perguntou sem eufemismo:
—Vô, o senhor tem câncer?— Questionou Virtus com voz chorosa. Seu avô parou de ler seu livro, e seu semblante alegre se tornou fechado e abatido.
—Tenho...
—E porque não me contou?
—Eu não queria te preocupar, Virtus...
—É, mas me preocupou! Olha, pode ficar tranquilo que eu consegui dinheiro, é mais que suficiente pra pagar seu tratamento. — Disse Virtus, com certo entusiasmo na voz.
—Como você conseguiu isso? Não me diga que começou a se envolver com os criminosos. — Disse o moribundo, aumentando seu tom de forma preocupada.
—Eu preciso contar oque aconteceu durante esse mês... Eu já não sabia mais oque fazer, então, eu fui falar com o Gord, disse a ele que roubaria a casa dos O’hara em troca dele nunca mais cobrar alguma taxa para nossa família... — Virtus foi interrompido pela decepção de seu avô.
—Eu tentei te avisar... Nunca pensei que teria vergonha de te chamar de neto.— O idoso estava quase retirando-se da canoa quando seu neto o exclama:
—Espera!— O sexagenário voltou a olhar para o neto, e parou para ouvi-lo. —Eu ainda não te contei tudo. Ainda hoje, quando eu estava saindo da mansão O’hara, surgiram asas nas minhas costas que me ajudaram a fugir. Mas uma mulher de outro planeta me acertou e me fez quebrar todos os pertences no saco.
—Asas?— Disse o velho com tom desacreditado. Na hora Virtus fez com que as grandes e dracônicas  asas roxas aparecessem em suas costas, deixando seu avô vislumbrado com aquilo. Seu deslumbre foi tão grande que ele pediu, animado, para que o neto contasse mais sobre oque aconteceu, e sua personalidade calma e divertida voltou.
—A mulher misteriosa pagou todas as dívidas com Gord, e já deixou um milhão de Tokens naquela árvore enquanto conversamos. Porém, ela me convocou para uma tal “Agência Artemis”, disse que queria soldados especiais pra proteger o universo, e que eu tinha grandes poderes que ela sequer sabia a origem. Mas como o senhor está doente eu decidi ficar e te apoiar.
—OQUE?! A mulher te chamou pra ser um soldado intergaláctico e você vai recusar por causa de um velho gagá como eu?!— Exclamou o idoso em um tom indignado. —Você não pode mais fazer nada pra me ajudar, agora deixa o trabalho de salvar minha vida pros médicos. Você vai salvar muita gente, só que de outro jeito. Eu não vou deixar você ficar.
—Mas vô... Tá, se é o pedido de um moribundo eu tenho que aceitar, né?
—Moribundo é a bunda da sua avó!— Os dois começam a rir, até que Virtus se despede dele e de todos seus vinte irmãos, duas avós, quatro tios, dez primos, pai e mãe. Quando ele saiu da casa, Spivla já estava esperando ele do outro lado do rio, então ele foi seguindo ela.
—Não fez as malas?
—Eu só tenho essa roupa.
—Ok, então finalmente vai ter mais uma. Um uniforme da agência te espera no seu dormitório.
—Espera... Eu vou ter um dormitório?!— Disse Virtus com toda a alegria do mundo. —É o dia mais feliz da minha vida!!— Spivla sorriu e logo perguntou:
—Agora que você já sabe controlar as asas, tem como levar a gente pra aquela clareira. A nave está estacionada lá.
—Beleza. — Disse Virtus em um tom audaz e feliz por usar seus poderes. Ele fez as asas crescerem novamente em suas costas e agilmente ele pegou Spivla nos braços e levou até a clareira, onde estava uma nave verde-água-escuro de médio porte, com múltiplos propulsores e com o símbolo da Agência estampado no teto.
—Como eu não tinha visto isso?!— Perguntou Virtus.
—Ela fica invisível. — Responde Spivla como fosse algo simples, porém para Virtus não era.
—Vai se ferrar! Oque mais você tem aí no bolso, uma arma de raios?— Spivla então encara Virtus e abre um sorriso sarcástico que logo respondeu o questionamento do anfíbio.
Ao entrar na nave, Virtus ficou maravilhado com o tamanho e com toda aquela tecnologia. A nave tinha um painel de controle avançado, com comunicadores que acessam o canal AA, próprio da Agência Artemis, e o canal de emergência de qualquer nave a vinte anos luz de distância; controle de arsenal da nave; ativação de invisibilidade; propulsão em velocidade da luz e muitas outras funções, incluindo o controle da rota. Também havia um laboratório acoplado com uma ala médica, três dormitórios e uma cela de repulsão.
—Isso tudo... Isso é incrível. Você que conseguiu isso tudo sozinha? — Falou Virtus, ainda admirando a grandeza da nave.
—Bom, sim... Eu ia me sentir culpada se eu não conseguisse. Eu era do planeta Félius II, talvez você já tenha ouvido falar dele por causa da grande guerra que havia lá.
—Era?— Indagou Virtus, com certa surpresa em sua voz.
—Os Félicos tinham um dos melhores armamentos nucleares de sua galáxia. A guerra devastou todo resquício de vida lá. Antes daquilo tudo eu tinha família, amigos, estava cursando engenharia bélica quando a guerra estourou, eu sabia pilotar naves e tentei salvar minha família, íamos nos refugiar na Terra, mas... — Ela vai ficando com um tom cada vez mais melancólico. —Nossa nave foi atingida, e só eu sobrevivi. Daí em diante, eu fui vagando pelo mundo tentando ajudar cada vez mais pessoas a saírem do planeta. Levei muitos tiros, matei muitos soldados, mas consegui salvar muita gente. Eu sabia que tinham mais planetas passando pela mesma situação que a minha, e quando eu finalmente aceitei que não podia fazer mais nada pelo meu planeta eu saí... Mas eu não conseguiria nem me olhar no espelho se, mesmo sabendo que há como ajudar, eu não ajudasse. Então eu lutei, planejei e consegui fundar a AA. E agora qualquer ameaça de guerra nós vamos intervir, e qualquer ameaça de paz no universo, o protegeremos enquanto ainda respirarmos. — Finalizou Spivla, se inspirando em seu próprio discurso.
—Eu tinha dito que a nave era incrível, mas você é bem mais incrível ainda.— Elogiou Virtus. Fazia bastante tempo que Spivla não recebia um elogio, e não elogiava ninguém. Então ela ficou sem graça e mudou de assunto.
—Então... — Disse a felina tentando desviar. —Seu uniforme está ali na mesa. É um tecido especial aprova de quase tudo, tem um pequeno furo atrás pras suas asas e um GPS na sua manga pra rastrear seus colegas equipe e ser rastreado. —Informou a diretora da Agência.
—Maneiro. — Disse Virtus, vestindo a nova roupa. —Quem vão ser meus colegas?
—Um Giganomita e um Akkila.
—Legal... Eu não conheço nenhuma dessas raças— Disse Virtus em um tom cômico.
—Vai conhecer logo, logo. Mas antes, você não vai poder usar seu nome real em campo, você é de uma tropa de elite da Agência, precisa de um codinome.
—Mas eu nem sei direito quais são meus poderes, que codinome eu colocaria? Homem-Asa? — Disse o Anfíbio em tom sarcástico.
—Alguns cientistas da agência acham que é “Manipulação fisiológica livre” em outras palavras, mudança de forma. Mas quem pode explicar melhor isso pra você é o Akkila. — Explicou Spivla
—Mudança de forma... Oque poderia ser? Anfíbio-mutante?
—Super-fisologia?
—Já sei! A partir de agora, eu sou o Morph!— Disse o Ranaeano entusiasmado.
A diretora da agência sentou na cadeira de piloto, e eles se prepararam pra viagem para convocar mais dois alienígenas pra equipe, um príncipe Giganomita do planeta Koros, e um cientista Akkila revolucionário do planeta Manzuc. Os dois apertaram os cintos e seguiram sua longa viagem atravessando o universo.








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