apenas, sinta.

146 12 70
                                    

"Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
que há pouco chorou."
ㅡ Helena Kolody.


AVISO DE GATILHO: descrição de uma crise de ansiedade e suicídio.

🍀


ele abriu os olhos, devagar, mas a luz o fez fecha-los novamente, voltou de novo a abri-los, piscou duas vezes para acostumar a vista com a claridade e olhou ao redor.

vasculhou o cômodo todo, como se procurasse algo que sabia muito bem não estar mais lá, porém mesmo assim, procurava inconscientemente.

procurar acabou virando um hábito para o jovem kim namjoon e ele não se orgulhava nem um pouquinho dele.

soltou um suspiro pesado e longo, queria poder não abrir os olhos nunca mais. quem sabe, dormir para sempre. seria muito mais fácil assim.

sentou-se na beirada da cama e mirou o chão balançando as pernas que alcançavam facilmente os chinelos, era um homem alto, mas sentia-se tão pequenino quanto um mero trevo. espreguiçou de forma demorada, as juntas estalando, uma brisa branda vinda da janela aberta ao lado da cama lhe acariciou os fios cinzas curtinhos da nuca, era bom, a luz do dia entrava no quarto como se tivesse o desejando bom dia mas namjoon não conseguia devolver aquele bom dia, pois para si, não era um bom dia.

o kim gostava da brisa matinal e por isso deixava a janela aberta. só que no fundo, era muito mais que só a apreciação que ele tinha, também havia uma vaga esperança que não queria deixar morrer.

levantou e foi fazer seus afazeres, que eram sempre os mesmos, uma rotina tão monótona que era chata a qualquer um. só que ela nem sempre foi assim.

acordava cedinho, no máximo umas 7h, comia, regava com esmero suas plantinhas na sacada, tomava banho e se arrumava e ia para o trabalho que não amava mas não desgostava ㅡ numa cafeteria ㅡ passava o dia sem comer nada, saia do trabalho a noite e voltava para casa, comia qualquer coisa que tivesse e assistia algo, ouvia músicas antigas e atuais que gostava no fone ruim enquanto escrevia poemas até tarde. dormia pesado, ou então, na grande maioria das vezes, tinha pesadelos tenebrosos que o faziam acordar angustiado e passar o resto da noite sem conseguir dormir novamente.

e esse ciclo se repetia, se repetia, de novo e de novo, todos os dias.

era uma inércia que não o deixava.

contudo, toda essa rotina extremamente parada e sem graça era a única coisa que ainda o mantinha ali, que o distraía muitas vezes, evitando que pensasse demais. uma vez que, se os pensamentos viessem, às lembranças também viriam junto, a tristeza e a saudade aumentariam ainda mais e tentariam transbordar de si, e aí, às lágrimas viriam também.

mas namjoon já estava bastante cansado sabe, e olhar aquele vaso cheio de terra ㅡ mas tão vazio ㅡ em sua sacada lhe enchia de melancolia, e namjoon acreditava assemelhar-se ao seu vaso de barro, era vazio e nada crescia ali mais.

e o que cresceu foi embora.

o kim recordava-se muito bem, como estava o tempo naquele dia que fora tão estranho, e igualmente marcante para si; extremamente nublado e frio.

enrolado numa manta verde cheia de pelinhos na cama amarrotada ele chorava, a cabeça afundada no travesseiro, soluçava de forma quase dolorida. estava magoado consigo mesmo, uma magoa profunda que o consumia como areia movediça.

a porta da sacada estava aberta ㅡ por descuido seu na época ㅡ e ventava, as cortinas leves de um tom salmão balançavam e os únicos expectadores do kim eram suas platinhas. em especial, aquele único trevo de quatro folhas num pequeno vaso feio de barro.

tu é e foi (trevo) 🍀 namkook.Onde histórias criam vida. Descubra agora