Além do arco-íris - capítulo único

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— Sshh, neném, — ela cochicha, voz trêmula e os braços abraçando firme sua filhinha contra seu peito, — to aqui com você. Mas você precisa ficar quietinha, meu amor. — ela tenta e falha em silenciar completamente a bebê de um ano que se agita em seu colo.

A mulher ouve passos se aproximando. Logo forçarão a entrada, estão batendo em sua porta. O som das suas botas ecoa no silêncio da casa. Não tem ideia de como podem tê-las encontrado tão facilmente. Pensava que tinha sido cuidadosa. Que estavam seguras ali.

Não há tempo para explicações de como ou por quê. Não há nem mesmo tempo para se lamentar. Tudo que é capaz de fazer é puxar sua filha mais velha para um rápido abraço e entregar a bebê em seus bracinhos, tão pequenos para tamanha responsabilidade. Sua visão está anuviada pelas lágrimas que teimam em tomar seus olhos.

— Nádia, está na hora. Leva sua irmã e se escondam, do jeitinho que a gente ensinou, — há um bolo em sua garganta. Torna-se cada vez mais difícil engolir o choro e ocultar o tremor de sua voz. Mas ela tem que tentar, por suas meninas, — mamãe te ama, minha filha. — pode ouvi-los, cada vez mais perto, —Vocês tem que ir, agora! — sussurra, amedrontada. Não há tempo.

— E você, mamãe? — a menina tenta sussurrar, mas o desespero faz sua voz soar mais alto que gostaria.

A verdade é que a mulher já sabe que eles a encontrarão, cedo ou tarde. Provavelmente até mesmo ouvirão os sussurros muito em breve.

Vão arrombar sua porta a qualquer momento.

— Eu vou estar logo atrás de você, meu amor. Mas você tem que levar sua irmã e correr para o mais longe que conseguir. Que nem eu e sua mãe te ensinamos. Tudo bem? — a garota acena positivamente, mas seus olhos enormes e expressivos estão cheios de lágrimas e medo — Vou estar sempre com vocês, Nadia. Nunca vai estar sozinha, não esqueça.

Um beijo na testa se transforma num rápido abraço. Seu último, ela sabe. Isso é tudo que consegue fazer antes de ouvir a porta da frente ceder aos esforços deles, batendo contra a parede com toda força. Ela empurra Nadia janela afora, com a irmã em seus braços, e se esconde debaixo de sua cama, o mais rápido que consegue.

Inspira. Expira. Uma e outra vez. Ela os ouve agora; sabe que eles estão procurando por ela dentro da casa. Eles procuram por todos como ela. É provável que já tenham capturado sua esposa, ela pensa, beirando a histeria. Suas filhas vão conseguir escapar, ela acredita. Vão encontrar um abrigo, do jeitinho que foram ensinadas no caso... Disso acontecer.

Elas viverão. E carregarão em si seu legado. Sua verdade.

Ela sabe que fez o que tinha que fazer. E há uma preço a se pagar por isso. Não há lugar para uma mulher negra e lésbica na sociedade que estão criando. Não há lugar para filhas de uma pecadora, marcadas pelo que outros julgam ser seus erros. Não há voz ou lugar para revolução. A luta pelos direitos iguais fora sufocada. Há apenas dor e sofrimento para todos que não se encaixam, que ousam ser diferentes.

Elas vão se lembrar de mim, ela pensa, as mãos dos homens fardados agarrando seu corpo violentamente, a arrastando para longe do lugar que chamara de lar. Chorando, gritando, esperneando. Lembrarão do seu nome.

Elas vão viver e um dia, quem sabe um dia, serão livres.

O cano gelado da arma toca sua têmpora pelo que ela sabe que será a última vez. Farão dela um exemplo. Seu nome inspirará medo. Mas não para elas.


Não, para elas seu nome será Esperança.

No fim ela sorri, pois sabe que já ganhou.

Além do arco-írisWhere stories live. Discover now