00. prólogo

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A vida leva a gente por caminhos que não são os planejados, veja eu:

Cresci no interior de São Paulo, numa cidade extremamente comum, nada acontece a diferença e nada de diferente saia de lá, não temos sequer um ato ou alguém que ficou famoso, absolutamente nada, nenhum ponto turístico a não ser um velho casarão onde antes era a senzala da fazenda de café que cobria todo terreno da cidade. Falando assim parece que ainda é roça por aqui, mas pelo menos isso não. A cidade cresceu com fábricas de tecelagem, muitas das quais ainda existem as estruturas nos bairros mais perto do centro comercial.

Minha infância não foi nada mais que normal, cheia de amigos e familiares por todos os anos, escola, esportes, brincadeiras, tudo que uma criança pode pedir a Deus, se é que ele existe. Conforme crescia o corpo, consequentemente, mudava, antes mesmo de completar 10 anos já fui repreendida para "sentar que nem mocinha", frase que acompanha todas as garotas durante a vida. Aos 15 minhas roupas, segundo os mais velhos, insinuavam coisas que eu nem sequer pensava, fui sexualizada antes mesmo de entender o motivo, não diferente de todas as outras mulheres no país, e assim com grande parte fui assediada, desde cantadas na rua sem permissão, que na faziam me sentir mal comigo mesma e desconfortável, até apalpadas ou "brincadeiras" de pessoas que diziam ser "amigos da família", por sorte sempre soube reconhecer tais atos e me defender como podia dessas coisas, muitas vezes isso significava não sair de casa ou não usar a roupa que queria por medo. A vida de uma mulher é uma droga, desde pequenas somos ensinadas e ter vergonha do nosso corpo e esconde-lo. Enquanto isso homens vêem homens sendo machistas e "pegadores" como algo extremamente natural. Tenho nojo e vergonha desta cultura. Fui aprender que meu corpo era incrível e eu não devia ter vergonha dele no final do ensino médio, com 17 anos. Foi só aí que entendi que o problema não era comigo, mas com os outros, entendi que a vergonha não era por culpa minha, mas pelos atos grosseiros e nojentos das pessoas. Então resolvi mostrar o meu eu, mostrá-lo para mim, comecei a me vestir para mim, a fazer as coisas por mim, porque eu queria e não porque os outros queriam. Minha vida virou de ponta cabeça, em 6 meses eu tinha criado a Cam, e nos 2 meses seguintes havia ganhado inúmeros seguidores(? sei lá como chamar essa gente). Foi aí que a coisa desandou. Meus pais perceberam que eu estava ganhando dinheiro de alguma forma já que havia comprado algumas coisinhas sem precisar do dinheiro deles, achei q eles ficariam felizes por eu estar sendo independente deles, mas não foi assim, eles queriam saber de o de eu tirava dinheiro sendo que não trabalhava, a resposta não foi o que eles queriam ouvir, e acabou que assim que terminei o ensino médio me vi sendo expulsa da minha própria casa.

Não posso dizer que meu sonho de criança era ser o que sou hoje, nenhuma menina vê uma vida assim pra si, não me leve a mal, existem muitas coisas boas nisso tudo, mas o lado ruim é realmente ruim, quando as pessoas ficam sabendo da minha profissão me olham com nojo, cortam contato e simplesmente somem da minha vida, das poucas amizades, se é que posso chamar assim, que ainda me restam 90% são da mesma área que eu, algumas garotas que se viram nesse mundo antes mesmo de se darem conta do que as levou até lá. Não é fácil e nem nossa escolha ficar sozinha, são as escolhas dos outros que nos vêem como vermes da sociedade.

rouge; gabriel montresor [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora