01. elevador

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Ser uma cam girl não é exatamente o que eu planejei para fazer da vida. Uma coisa levou a outra e aqui estamos, eu até que gosto, no começo era difícil, e foi ainda mais difícil explicar de onde vinha o dinheiro para meus pais, eles não aceitaram a notícia muito bem, e por isso hoje com 20 anos eu moro sozinha a dois anos. É não era o que eu esperava, eles me expulsaram de casa, afinal eu ganhava dinheiro e podia me virar sem envergonhar toda a família.

Existem vantagens e desvantagens nisso, mas com certeza não recomendo essa vida pra ninguém, não é legal não poder contar com a própria família. Pelo menos boa parte dela, de vez em quando converso com a minha irmã, ela tem 17 anos hoje e desde que comecei isso tudo eu guardo um dinheiro pra ela todo mês, vou dar quando ela completar 18 assim meus pais não poderão controlar o dinheiro, e ela. Hoje ela é a única que ainda fala comigo, todo o resto é como se eu nunca tivesse existido, minha irmã contou que minha mãe queimou todas as fotos da minha infância, ou cortou as que eu aparecia, como se eu não passasse de um delírio deles. Agora a vantagem é a vida que eu tenho, financeiramente dizendo, mudei pra São Paulo seis meses depois de ser expulsa, uma amiga tinha me acolhido mas ela começou a morar com o namorado e eu já havia virado um incômodo. Esse é um breve resumo da minha vida, a infância não importa, é apenas passado, focando no presente, mais especificamente agora, eu tô na bgs, só porque eu sou uma puta de luxo eu não posso ser geek? Machiiiiiissssta! Brincadeirinha, mas eu gosto pra caralho dessas coisas e cá estamos.

Vermelho, a luz fraca que sai de trás do botão do elevador acende, a mesma cor da iluminação do quarto, a cor que a maioria das pessoas considera a mais quente. Me forcei a fazer algo diferente nesse sábado, ao contrário de todos os sábados anteriores, não vou ficar em casa e trabalhar, não nessa data, é Natal, e eu sinceramente preciso conhecer gente nova, hoje vou numa festa, num bairro não muito longe do meu, mas resolvi ir de uber afinal são Paulo não é famosa por ter um trânsito calmo e amigável. Acompanho os números crescendo, por sorte a minha, ele para no andar abaixo do meu, espero que pra alguém que esteja descendo e não subindo, o número sobe mais uma vez e a porta abre mostrando um rapaz distraído pelo celular que estava ali. Ele não nota minha presença até às portas fecharem e o elevador fazer aquele movimento assustador costumeiro antes de começar a descer, fazendo-o desviar o olhar do celular, e me fitar por um segundo. Sinto ele me olhar dos pés a cabeça, e quando seu gesto chega ao fim faço as mesma coisa com ele, evidentemente ele percebe, afinal não fiz questão nenhuma de ser discreta, corando suas bochechas num tom rosa choque.

- festa a fantasia? - a voz dele era grossa e me fez dar um leve pulo de susto quando irrompeu em meio ao silêncio do maquinário do elevador. Só então lembrei a roupa que usava, algo que usei no primeiro "especial de natal" que fiz, era curto e provocante, mas nada que não víssemos durante o carnaval. Acenei levemente com a cabeça concordando. - também vou em uma

- ah que legal - grandes palavras de um sábio que tinha que ter ficado em silêncio mesmo - desculpa, não quis dizer isso, é.. na verdade quis, nas não nesse tom, não sei se você tá né entendendo..

- tô sim - ele soltou o ar, numa risada anasalada revelando seu sorriso, destes brancos e alinhados preenchiam toda a extensão, que combinava extremamente bem com o resto do seu rosto.

- eu não sou muito boa com palavras, desculpa - encolhi os ombros com um sorriso sem graça

- não precisa se desculpar - seus olhos azuis piscina me encaravam diretamente, o que não acontecia normalmente quando usava roupas assim, os homens olhavam direitamente para meu corpo sem tentar disfarçar ou desviar o olhar até meu rosto. - eu que devia pedir desculpas, fui bem idiota te olhando antes - passou a mão pelo cabelo, sem jeito e envergonhado.

- pode ter certeza que já passei por coisas piores

- desculpa por isso, não deveria ter que passar por essas coisas

- a culpa não é sua, relaxa, eu tô acostumada

- é você que mora na cobertura?

- sim

- foi a maior falação quando você mudou, as velhas ricas do prédio não se conformavam que uma "menininha mimada", segundo elas, iria morar no prédio

- e você, pelo jeito, tava no meio das velhas fofoqueiras

- claro, quem não gosta de uma fofoca - disse dando uma picadinha - e eu admito que quando ouvi que era uma moça nova, mudando sem os pais eu fiquei curioso - o elevador parou no sexto andar e entrou um homem, de cerca de trinta anos que como esperado me olhou de cima a baixo quase que me despindo com os olhos. Me encolhi desconfotavelmente, tentando me esconder numa tentativa falha - amor já chamou o Uber pra gente ou quer que eu chame?

- oi? - olhei para os olhos azuis, chamando ele assim porque não nos apresentamos e só agora me dei conta disso, confusa

- o Uber amor, pra festa, tem algo te incomodando? - ele chegou perto me envolvendo num abraço

- ah, não chamei ainda, você chama?

- chamo sim - ele se posicionou de um jeito que impedisse o homem olhar diretamente pra mim, o que né deixou mais relaxada e contente por não estar sozinha no elevador.

Foram os cinco andares mais longos e curtos, ao mesmo tempo, da minha vida, quando chegamos no térreo o homem desceu resmungando algumas palavras que eu não ouvi direito.

- da próxima vez sai bem quietinho ou não vó deixar isso passar - pelo jeito ele ouviu seja lá o que o homem resmungou - idiota, não consegue ver uma mulher bonita que já acha que ela tem interesse. Odeio esse tipo de gente

- mulher bonita?

- ah vai dizer que nunca ouviu isso?

- ouvi coisas mais sexualizadas - saímos na portaria e chamei um Uber Black pra festa, vi ele fazer o mesmo e aguardamos em silêncio - o meu chegou, boa festa lá

- valeu, pra você também - estava entrando no carro quando ele abre a boca novamente - já tinha esquecido, qual seu nome mesmo?

- Elena, mas acho que a gente não falou

- verdade, eu sou o Gabriel. Muito prazer

- Gabriel, que nome hein?

- bem comum né?

- bem passado isso sim

- como assim?

- história pra outro encontro no elevador, tchau Gabriel

rouge; gabriel montresor [mount]Onde histórias criam vida. Descubra agora