1. Linhas Tortas

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"O destino baralha as cartas, e nós jogamos."

— Schopenhauer

Mais um dia comum na construtora Mitchell & Partners. O ponteiro marcava uma e vinte-e-dois da tarde de quinta-feira. A semana tinha sido agitada — o que era de se dar graças — ainda assim, era bom sair do escritório. Localizada em Manhattan, o coração de Nova York, a empresa tinha ganhado um espaço surpreendente no mercado.

Maite dava passos largos e firmes. Sua saia lápis vinha até os joelhos, acompanhada de uma camisa fina e alguns pendentes prateados a rodear seu colo — ela sabia como impressionar. Tinha poucos amigos ali, já que estava preocupada demais quase o tempo todo para manter algum relacionamento que não fosse profissional com algum deles.

Ou quase isso.

— Atrasada. — William a esperava em uma sala. Apesar da bronca, seu tom de voz era de brincadeira. — É melhor que tenha uma boa desculpa.

— Nosso belo trânsito de Manhattan serve? — Maite fechou a porta envidraçada atrás de si. O rapaz selou sua boca e ela o afastou. — Não, Will, aqui não.

— Todo mundo está mais do que acostumado. — ele deu um sorriso torto. — Você sabe que, se passasse a vir comigo, atrasos não iam acontecer.

— Obrigada, mas eu tenho carro. — dispensou, buscando um tom tranquilo, com os braços pendurados nos ombros do namorado.

— Mais um para o trânsito, o que não contribui em nada pro meio ambiente, que você diz ligar tanto...

— Nós já falamos sobre isso. — ela cortou, com um afago no rosto de William.

Era a terceira vez que ele falava sobre como seria melhor que fossem juntos ao escritório ao invés das caronas ocasionais. Fazia meses que já tinham pertences esquecidos nas gavetas um do outro. Seria mais lógico e produtivo para ambos se ao menos passassem a ir juntos à Mitchell...

Acontece que ela não via as mesmas vantagens.

Os dois se conheceram na faculdade, mas só começaram uma relação séria muito tempo depois, quando se reencontraram em uma palestra. De lá pra cá, não se desgrudaram mais.

A morena reparou na foto que estava em cima da mesa de trabalho, onde os dois sorriam com os rostos colados em frente aos letreiros brilhantes da Times Square no último réveillon, uma tradição que decidiram seguir pelos próximos anos.

Eram perfeitos. Ninguém podia negar.

— É de trabalho que quer falar? Certo. — William acomodou-se em sua cadeira e voltou a olhar para ela. — O Eric perguntou sobre a proposta para o hotel. Pronto?

— Acredito que sim, foi corrido, mas está tão melhor encaminhado... E outra, tive de retirar os sheds... Mas você sabe que já pode estar lá, construído. No fim, eu sempre acho que poderia ficar melhor.

— Você é ótima. — ele deu um sorrisinho, dando atenção agora a um papel à sua frente. — Depois deixa aqui para eu dar uma olhada.

Era uma ordem. E ela odiava aquele tom.

Não era lá a situação mais confortável do mundo trabalhar com o seu namorado, além do mais quando ele era seu chefe.

Primeiro: William e Maite estavam juntos quase o tempo todo. Mesmo depois de anos, ainda falavam dela pelas costas. Sua competência era sempre posta à dúvida, já que podia ser favorecida pela posição dele. Segundo: não é possível reclamar do seu chefe para seu namorado, quando ele faz os dois papeis. E por último, mas não menos importante: um dia ruim no trabalho virava um inferno ainda pior com uma simples discussão, seja por motivos da empresa ou pessoais.

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