Eu tinha por volta de seis anos de idade, pelo menos foi o que me dissera minha mãe quando lhe relatei algumas de minhas memórias daquela época.
Era uma criança que adorava ler e me embrenhar nas narrativas das histórias. Elas eram reais para mim. A Cinderela, a Bela Adormecida, Rapunzel, A Bela e a Fera... todas tinham um final feliz e um lindo príncipe que as levaria a um reino sem fome, sem dor e com lindas roupas bordadas a cristal.
Eu estava aproximadamente pelo primeiro ou segundo ano do Primário, antiga segunda série, eu acho. Lembro que aprendi a ler bem cedo, antes de entrar na escola pública.
Eu era alegre, brincalhona, e apesar da idade, adorava filmes de terror e ainda acreditava no Papai Noel.Hoje eu sei que tinha uma bela imaginação! E como isso me salvou! Me salvou.
Como não crer nele? Todo Natal, ele, o enigmático velhinho, me deixava alguma coisa embrulhada em um papel pardo de supermercado atrás da porta de meu pequeno quarto ou sob meu desgastado travesseiro, contudo, eu sabia que tinha uma coisa fabulosa dentro do modesto embrulho e que ela seria só para mim!
Na época, eu era filha única. Uma menina mimada pelo pai de presença intermite e embalada pelo riso leve de uma preocupada mãe.Maria, a minha mãe. Às vezes, só às vezes, eu a odiava! Ela me obrigada a levantar cedo, a arrumar meu quarto e não me deixava brincar com os meninos de bola lá fora. E eu adorava aquela coisa circular misteriosamente cheia de ar que voava de um lado para outro a um só toque nosso.
Bom... Maria é um nome meio que tradicional em minha família por parte de mãe. As mulheres, seja lá por qual motivo já esquecido e perdido no tempo, tinham por hábito nomear a primogênita ou uma das filhas com este nome: Maria. Sim. Eu me chamo Maria também. Odiava este nome. Hoje ele me dá muito orgulho e tem um sabor agridoce na boca quando tenho a oportunidade de o pronunciar: me chamo FULANA MARIA DE TAL.Alguém pegunta: qual seu nome? E eu, orgulhosamente respondo em alto e bom som: Fulana MARIA. Adoro este nome na minha boca e gosto ainda mais de ver o olhar de surpresa na cara das pessoas diante do meu orgulho ao pronunciá-lo.
Na escola eu gostava das gincanas e competições de soletrar. Perdia o dia quando não ganhava a medalha feita pela professora com barbante, cartolina e um papel cheio de brilhos e lantejoulas com o nome CAMPEÃO muito bem bordado nela. Passava o dia chorosa e nem o quebra-queixo ou o suspiro, meu doce favorito da vendinha da esquina de casa, me animavam novamente.Depois de qualquer desventura cotidiana, vinha dona Maria, minha mãe, com a ponta do dedo quente e rechonchudo enxugar uma ou outra lágrima teimosa de minha morena face com movimentos circulares em minhas magras e fundas bochechas.
— Deixa disso, menina! Semana que vem você vai se sair melhor. Afirmava ela. E eu, diante daqueles olhos castanho-avermelhados, dava um meio sorriso, ainda com o orgulho ferido. Mas na verdade, ficava bem.
Lá no fundo, o que eu queria mesmo era sorrir um riso largo e de olhos serenos só de sentir o raro calor do afago aconchegante da medalha dependurada em meu pescoço, tocando a pele.Tudo logo seriam então bobagens. A medalha, as palavras difíceis no quadro negro. A professora a me pedir:
— Vamos lá! Soletre paralelepípedo!
Aquele paralelo que "pipava" nunca saía da boca perfeito, redondo. Eu o soltava aos bocados, entre uma e outra pausa e o riso dos coleguinhas. Entretanto, ao final das manhãs, todas as palavras gigantes e amedrontadoras não teriam mais tanta importância, pois a maciez quente dos dedos de minha mãe e o seu riso singelo e cúmplice apagariam todas as tristezas daquela dor que era o aprender e a vida seguiria novamente seu ritmo. Íamos para casa fingindo comprar presentes uma para a outra. Eu queria um boneca da Estrela que vinha com um colar e um pulseira dourados. Ela era enorme! Quase do meu tamanho. Mamãe queria pagar o aluguel e comprar uma geladeira usada vermelha. Ela pegava forte em minha mão e seguíamos juntas para casa com o coração repleto de sonhos e o âmago infestado de medos. No fim, o que nos dominava era o medo do obscuro e do incerto amanhã.
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Uma chuva pétalas
RomanceCerto dia, uma menina alegre e sorridente saiu de casa com uma linda flor que a mãe lhe dera de presente. Era uma rosa branca, puríssima, de causar inveja. A menina decidira dar a aromática plantinha à nova estagiária. Ela bem que merecia, já que...