— Me sooooltaaaaaa! — o peste gritou. E, dane-se, John não entendia nada daquele idioma de qualquer forma. O infeliz podia dizer o que quisesse, não sairia dali sem devolver o que roubou.
Com facilidade, sacudiu o menino no ar, como se o saco de moedas pudesse cair dele a qualquer momento.
Mas tinha de dar um ponto ao garoto. Ele resistia bem. Se chacoalhava e desferia socos e chutes tentando a todo custo se livrar de seu algoz.
— Solte-o! — uma dama exigiu.
— Esse peste me roubou!
— Não roubei nada!
— Ora, seu mentirosinho! — John grunhiu, furioso.
— Daniel, devolva! E o senhor, coloque ele no chão agora mesmo!
Como ela ousava?
— Não me diga o que fazer, senhorita! Esse mão-leve tem que dev...
Foi quando o cérebro afiado de John Russell, o oitavo duque de Bedford, um homem conhecido pela extrema astúcia; primeiro de sua turma em Eton; responsável por triplicar a fortuna da família desde que assumira o ducado, tornando-se um dos sujeitos mais indecentemente ricos da Grã-Bretanha... se deu conta do absurdo diante de si.
E teve de listar em ordem, para assimilar.
Um: estava se comunicando em inglês, perfeitamente.
Dois: estava se comunicando em inglês, perfeitamente, com o engraxate.
Três: o engraxate, agora, tinha voz de mulher.
Que bizarrice era aquela?
De cenho franzido, John praticamente desabou o batedorzinho-de-carteiras no chão, mas não foi tolo o bastante para soltá-lo: ainda queria suas moedas de volta.
Seu olhar conferiu bem a figura diante dele. Alta, para os padrões femininos, apenas uma cabeça mais baixa do que o duque. Roupas masculinas largas e velhas que davam a entender um corpo magro sob elas. Cabelo – ele não sabia dizer de que cor eram – escondido por baixo daquele chapeuzinho horrendo de lã, quase a fazendo parecer um homem.
As bochechas, Jesus, estavam sujas de graxa de um jeito que até parecia ser de propósito.
Naquele instante de observação, John não deixou de notar as sobrancelhas grossas e muito escuras, assim como os cílios exageradamente curvos, femininos demais, adornando olhos... olhos literalmente únicos, na falta de uma palavra melhor.
John se pegou estreitando os seus, observando-a com atenção, pois jamais vira coisa igual.
Uma das íris daquela mulher possuía um tom de azul cerúleo impressionante, que rivalizava com o próprio céu limpo acima de suas cabeças. A outra, bem, a outra era pintada de um âmbar quente, profundo.
Certa vez, John ouvira falar de uma raposa que andava matando as galinhas dos arrendatários de Bedfordshire. Diziam que a pele do animal era branca com a neve e os olhos cada um de uma cor. John achou a descrição tão pouco crível que descartou a veracidade da história. Achou ser mais uma lenda exagerada para assustar criancinhas desobedientes. Agora, ali estava ele, diante de um exemplar humano com a mesma descrição.
Mas ele não teve muito tempo de refletir a respeito. A singularidade dos olhos dela era impressionante, sim. Só que o olhar era mais. Intenso, sóbrio. Olhar corajoso, de quem estava antecipando as ações dele e se preparando para reagir.
— Você fala inglês.
De todas as coisas que ele podia ter dito, foi o que saiu de sua boca num tom inconfundível de acusação.
Assistiu a figura a sua frente engolir em seco, dando-se conta que foi desmascarada.
— E é uma mulher.

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COMPLETO ATÉ 09/06 - PARTE I - Uma Jornada para se Apaixonar
Chick-LitJohn Russell, o poderoso duque de Bedford, definitivamente está muito longe de sua zona de conforto. Obrigado a viajar às pressas para a América do Sul numa missão quase impossível de tentar resgatar a honra da irmã - uma jovem londrina desmiolada...