°.○ Mi ○.°

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— Eu sou o Hoseok... err, você já sabe disso...err seu almoço vai esfriar... — Ele começou a falar rapido e um pouco atrapalhado. Mas não julgo, não são muitas pessoas que tem contato com cegos. — Você... precisa de ajuda pra comer, ou algo assim?... não... não me entenda mal, é que... Aish... desculpa, estou nervoso.

Ri baixo de sua confusão. Apesar de eu ser independente, meus pais gostam que eu esteja acompanhado em qualquer coisa que eu faça. Uma vez, chegaram a pagar uma mulher para cuidar de mim, mas eu me sentia mal; me sentia incapaz, me sentia um peso. Conversei com minha mãe, que é menos insegura quanto a isso, e, felizmente, ela dispensou o trabalho da mulher.

Sim, Eu posso andar sozinho pelas ruas, posso pegar ônibus e posso ir para onde eu quiser sozinho. Porém, meu pai tem medo de que algo me aconteça e fica tentando me privar de tudo. Não posso nem voltar sozinho com meu cachorro para casa, tenho que esperar o motorista chegar no prédio que estudo para me levar, sendo que posso simplesmente pegar um ônibus.

Eu sempre tento argumentar que não tenho visão, mas tenho todos os outros sentidos. Eu sei quando tem alguém perto, longe, se ela está sorrindo, se ela está triste e percebo até mais do que pessoas que enxergam. Por exemplo, sei que Hoseok estava espiando meu ensaio ontem, senti o cheiro dele.

Sim, eu sei o cheiro dele. Gravei o cheiro de todos da minha sala de música clássica, que é a única que estudo presencialmente. Eu queria fazer todas as aulas presenciais, como qualquer jovem adulto faria, mas meu pai impediu. Pagou todos os livros didáticos em braile e comprou o laptop mais caro que encontrou para que eu possa executar meus trabalho e provas, e assistir as vídeo aulas em casa.

— Primeira vez falando com um cego? — Escutei uma risadinha fraca, provavelmente ele estava coçando a nuca constragidamente. — Está tudo bem, é a primeira vez que falo com alguém da minha idade desde que, bom... isso, aconteceu. — coloquei a mão por cima de meus olhos. — Nem sei como não estou gaguejando.

— Sua primeira vez conversando com alguém além do seus pais? — Assenti sorrindo. — Nossa... que triste...

— É, ter pais corujas dá nisso... — Era realmente triste. Minha rotina se resumia em: acordar, ir para a faculdade com meu pai, ter aula, ir embora para casa e estudar no quarto enquanto minha mãe conversa com a senhora Jung. As duas conversam o dia todo.

— Mas você não parece cego. — Me surpreendi com a afirmação, que pareceu ser solta sem querer. Mas ele estava certo, eu direciono meus olhos para onde o barulho está, e aparentemente, meus olhos são normais. Alguns amigos do meu pai já até chegaram a duvidar de que eu sou cego. — Nossa, eu sou um insensível estúpido. Desculpa.

— Tudo bem, odeio quando as pessoas se limitam para falar comigo. — Sorri tímido. — Gosto de ser tratado normalmente.

— Ah, isso é interessante.

— Como assim?

— Isso quebra aquela ideia de que deficientes necessitam 100% de atenção o tempo todo e para tudo. — Ele diz se afastando. Logo pude escutar o barulho do colchão sendo esmagado(?), ele tinha se sentado na minha cama. — Mas iai? Vai precisar de ajuda para comer?

Eu gostei desse menino. Ele pareceu se recompor do choque rápido, se dando a liberdade de, até mesmo se sentar na minha cama. Foi bem diferente do comportamento da mãe dele. Essa me trata como se eu fosse uma criança de três anos que não consegue nem encontrar o banheiro sozinho. Não me leve à mal, gosto de quando as pessoas se prestam a me acompanhar para os lugares segurando minha mão ou o meu ombro, mas não em minha própria casa. Sei andar nessa casa, sei exatamente quantos passos preciso dar para chegar em cada cômodo. Quando Hoseok entrou aqui, fiz questão de mostrar meu bastão guia - simulando de que preciso dele - para evitar o constrangimento de precisar falar "oi, sou cego".

𝐓eclas 𝐃e 𝐏iano ⁽ᵐʸᵍ⁻ʲʰˢ⁾Onde histórias criam vida. Descubra agora