Então houve o silêncio. Os corpos imóveis e com os olhos arregalados se encontravam jogados no chão, com o sangue escorrendo pelos cortes na pele desfigurada, brilhando sob a luz do sol que passava agora pelo teto quebrado.
Rebecca estava estagnada, encarando o chão melado e escarlate. Sua mente girava sem parar, ainda sem saber o porquê disso estar acontecendo. Quantas pessoas mais teriam que morrer para que ela ficasse em paz? Ohou para Eric, na esperança de encontrar algum apoio em seu olhar. Talvez ele pudesse ajudá-la a superar tudo isso, agora que estava acabado.
Ele, contudo, não a encarava de volta. Seu corpo estava petrificado e seus olhos se dirigiam ao chão do refeitório.
Havia sangue nele. Respingos que manchavam a pele morena e o uniforme roubado do guarda. Ainda que estivessem lá, nenhum dos dois foi atacado por um pedaço de vidro. A sacada acima deles impediu que isso acontecesse.
— Acha que ele está morto? — balbuciou, ainda sem olhar para ela. Sua voz falhava, como se não acreditasse no que tinha visto.
— Quem? — Becca perguntou.
— White. Acha que ele sobreviveu?
— Eric... — Becca não queria pensar naquilo. A simples possibilidade a fazia arrepiar — é impossível. Não tem como alguém ter sobrevivido a isso.
— Nós sobrevivemos — o olhar dele encontrou o dela. Havia uma escuridão que ela nunca tinha visto. Antes ela apenas se perdia no castanho cor de mel que continha seus olhos. Agora havia algo estranho. Algo... perturbador.
Passos ecoaram no ambiente e uma respiração ofegante foi captada pelos ouvidos de Becca. Todo seu corpo parecia que iria desabar e cair na escuridão, permanecendo flutuando sobre o vácuo. Seria realmente possível? Depois de tudo o que passaram, aquele homem ainda ter sobrevivido para atormenta-los? Teria tudo sido em vão? Imaginou por um instante o homem que sempre vestia branco se levantando do meio dos cadáveres, com as roupas, cabelos e rosto molhados e pintados com o vermelho que jorrara de seus colegas, segurando uma arma e atirando nos dois jovens.
Foi a respiração ofegante que a retirou de seus devaneios. Becca redirecionou os olhos e encontrou, parada sob a claridade da luz do sol, Nina. O brilho solar realçava a cor de sua cabelos, pretos como a escuridão da noite. Seus olhos azuis estavam arregalados e sua boca escancarada em forma de um O. Becca pôde ver os traços asiáticos nos olhos da menina, eram quase invisíveis na falta de muita claridade.
De um minuto para outro a expressão estampada no rosto de Nina transmutou-se e do silêncio do choque surgiu um suspiro aliviado com lágrimas escorrendo por sua pele branca. Os braços dela se abriram e a menina avançou correndo até se arremessar num abraço apertado envolvendo Eric e Becca, balbuciando ofegante:
— Graças a Deus que vocês estão vivos. Graças a Deus. Tive tanto medo.
Ela se soltou depois de aperta-los por longos minutos. Sua face estava molhada e as lágrimas pingavam de seu queixo indo de encontro ao piso do refeitório.
— Me desculpem... não soube o que fazer. Ele ia matar vocês...
— Está tudo bem — respondeu Eric, sua voz ainda fraca, observou Becca. — Você nos salvou.
— Salvei? — um sorriso se formou no canto da boca da menina. — Salvei mesmo? — e gargalhou.
Becca e Eric se encararam, ela com uma sobrancelha arqueada e ele com o rosto contorcido em estranhismo, enquanto Nina gargalhava alto e descontroladamente ao mesmo tempo em que lágrimas escorriam de seus olhos.
— Uau. Por que parece que vou desmaiar? — disse ofegante, interrompendo o riso.
— Deve ser a adrenalina abaixando. Só respire fundo — disse Becca.
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CRUEL
Science FictionNuma sociedade devastada pelas mãos humanas, apenas os adolescentes menores de 18 anos são capazes de habitar tranquilamente o planeta. A lei é clara: o adolescente que completa 17 anos, deverá passar pelo processo de Introdução, e deverá aceitar, s...