Capítulo 3 - Café amargo

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Quando o relógio despertou, às 6h da manhã, Igor já estava em pé. Resmungando, mas em pé.

Se havia algo que era prioridade na vida dele era ser forte, disposto, pronto para a luta. No caso, a luta seria mais um dia no comando de uma agência de publicidade que ele basicamente odiava. Depois que seu pai faleceu, todos os olhares voltaram-se para Igor e ele era constantemente citado em matérias como "o orgulho da família", "a promessa da publicidade", "o criativo do ano". O fato é que ele bem sabia que seu pai o detestava e o chamava sempre que podia de vergonha da família, fracasso profissional e chamava suas ideias de enfadonhas.

Por conta disso, a palavra "enfadonha" virou peça sempre presente no vocabulário de Igor. Quando ele detestava algo, automaticamente chamava a coisa de enfadonha, mesmo se o adjetivo não fosse aplicável.

Naquela manhã, Igor sentia que sua vidinha miserável estava completamente enfadonha. E nada parecia mudar aquele sentimento. Mesmo assim, ele fez o café da manhã com capricho. O seu café completamente sem açúcar, o de Laura com duas colheres bem cheias, doce como um melado. Para ambos, Igor fez uma panqueca com creme de avelã e morangos frescos. Pareciam ótimas, mas Igor nem sentia mais sabor naquilo.

Para Maria, Igor fez uma saladinha de frutas caprichada com iogurte natural e uma panquequinha igual a deles, só que com desenho de uma carinha feliz. Estava linda, mas claro que Igor reclamou que podia ser melhor. Pra ele todas as coisas podiam ser melhores.

Quando Laura acordou, Igor estava levando o café para o quarto.

- Que surpresa! - disse Laura, sorridente ao ver o marido com aquela bandeja tão apetitosa.

- Pois é, eu acordei mais cedo e resolvi adiantar o café pra te surpreender. A ideia era te acordar com o café já pronto, mas a senhora parece que percebe quando eu tento te agradar, não é?

- Esse é o segredo das mulheres: a gente sabe de tudo! Vocês tentam nos surpreender e nós já estamos um quilômetro na frente, baby.

Detalhe: Igor simplesmente DE-TES-TA-VA ser chamado de baby, mas Laura não decorava essa regra de forma alguma. Parece inclusive que ela fazia pra irritar.

Os dois sentaram-se na cama, ela de camisola azul bebê e ele de pijama amarelo. Vistos de longe, os dois pareciam figurantes humanos de um filme dos Ursinhos Carinhosos. Um casal adorável, que certamente iria começar um papo sobre a vida, o universo e tudo mais, em um tom super fofo.

- Acho que eu tô com prisão de ventre. 

Pronto, esqueçam a promessa de uma manhã fofa. Laura começou a falar de suas dores e problemas de saúde assim que deu a primeira garfada na panqueca.

- Eu te falei pra procurar um médico. - disse Igor, cansado de ouvir as reclamações matinais da esposa.

- Eu pensei em ir no Doutor Ivan, mas ele nunca acha o que eu tenho. Acredita que ele disse que eu preciso fazer exercícios? Eu, que passo o dia correndo pra cuidar da Maria, fico atendendo mães para comprar as roupas usadas dela, vou ao supermercado, cozinho, limpo a casa? Se eu sair pra fazer exercícios, aí que eu morro de cansaço de vez.

- Eu já te falei: vamos contratar uma empregada, assim você tem mais tempo pra cuidar de você. 

- Parece uma boa ideia, Igor. Você terceiriza a sua responsabilidade, usa seu dinheiro pra acabar com sua culpa e para de ouvir minhas reclamações. Custa me apoiar?

- Laura, se você começar com esse roteiro mexicano de novo, eu vou...

- Vai o que? Vai embora? É isso?

- Eu não... Eu não sei, Laura. Tá tudo tão difícil, não conseguimos passar uma manhã sem discutir, você parece que não valoriza meu esforço pra cuidar daquela porcaria de agência que eu nem quis pra mim. E poxa, quando eu digo que quero contratar uma empregada é pra justamente tirar de você esse peso todo, porque eu te amo, caramba.

Dois PontosWhere stories live. Discover now