- Henry acordaaaaa! O despertador está tocando!
Henry estava sendo balançado com todas as forças de Thobias e quando finalmente começou a abrir os olhos e a resmungar o amigo soltou um suspiro totalmente aliviado.
- Fala… O que… Horas... - ele ainda estava desnorteado pelo sono e a imagem do amigo acima dele ainda não era nítida, mas era perceptível que já havia tomado banho e estava começando a se arrumar.
- Sua mãe mandou eu ir me arrumando porque disse que você acorda um pouco em cima da hora - o garoto agora havia calçado as meias. - Mas não imaginava que fosse assim, eu te chamei várias vezes e você falou que ia levantar em cinco minutos.
- Então, levantei.
- Irmão, já faz uma hora que você disse isso - depois que terminou de por os tênis ele pegou a toalha que havia usado e entregou para Henry. - Toma, vai logo antes que eu tenha que arremessar o chuveiro em você.
Henry ainda um pouco tonto se levantou com a toalha em mãos e rumou até o banheiro. Após entrar e encostar a porta ele se despiu e entrou debaixo das águas quentes do chuveiro.
- CARA! TÁ ME OUVIDO? - Thobias gritou atrás da porta alguns minutos depois. - Mario me mandou mensagem, ele descobriu os horários de hoje... ESTÁ ME OUVINDO??
- Estou!
- Aí vai… português, matemática, redação e geografia, quer dizer, quem estuda redação? - a porta do banheiro abriu e Henry estava enrolado na toalha e seguiu em direção ao quarto. - Henry? Você está me ouvindo?
A verdade era que Henry estava muito preocupado, tinha acabado de lembrar sobre a conversa que havia tido com o pai e tinha certeza que o assunto só não havia sido tocado ainda porque o amigo estava em casa.
- Ah… Tô. Redação, verdade. Que bobeira... - Henry havia começado a se vestir enquanto o amigo esperava mexendo no celular. - Que outra matéria estranha nós temos?
- Bom, Mário disse que o Patrick falou que as sextas temos aulas extras.
- O que seria?
- Psicologia, teatro e os dois últimos tempos da semana são usados para concluir projetos que a gente vai se inscrever.
- Que?
- Também não entendi muito, mas eles devem explicar me… A NÃO! MERDA.
- Tá tudo bem? - nesse momento Henry estava amarrando o último tênis e se atrapalhou com o aumento de voz repentino do amigo. - Fala.
- E a Carla, ela está um pouco brava comigo porque não estou falando muito com ela esses dias. Ela exige muita atenção, está realmente me irritando.
- Deveria falar com ela, mas vamos descer, minha mãe fez um lanche pra comermos na escola já que VOCÊ nos atrasou.
- Cala a boca Henry! - nesse mesmo instante Thobias empurrou Henry e desceu as escadas correndo seguido pelo amigo que estava sorrindo.
- Você me paga Thobias!
- Meninos calma! Vão se machucar - quando os dois chegaram no térreo a mãe de Henry já os aguardava com dois pacotes na mão, que foram entregues para cada um. - Tenham um bom dia, foi um prazer te conhecer Thobias.
- O prazer é meu senhora Tommison.
Os dois já estavam na porta quando a mãe de Henry fala com uma voz e olhar sarcástico.
- E meu beijinho Henry…
O garoto voltou instantaneamente, mas um tanto quanto relutante para abraçar e beijar a bochecha da mãe.
- Tchau mãe... Você me paga!
- Vamos Henryzinho o Thoby aqui também quer um beijinho!
- Vocês dois me pagam! E esse papo de senhora Tommison também é bem vergonhoso.
E assim ambos seguiram caminho para o ponto de ônibus que se encontrava alguns metros após a casa do garoto.***
Já estavam na metade do caminho quando a vontade de contar para Thobias sobre o problema familiar aflorou da pele de Henry, ele não tinha um amigo para contar nada pessoal e agora que tivera, ele teria que aproveitar. Os dois estavam sentados nos bancos de trás do ônibus observando a paisagem e conversando sobre assuntos aleatórios durante trinta minutos, mas a vontade de contar tudo para o amigo o seguia desde que subiram no ônibus. Porém agora era o limite.
- Thoby, posso te contar uma coisa?
- Claro Henry, sou seu amigo, pode contar comigo.
Henry soltou um sorriso e o amigo retribuiu.
- Bom… é que nunca tive um amigo assim, não sei muito bem como lidar. O máximo que conheço sobre amizade é uma menina que conheci em um vídeo game online durante as férias e os garotos que iam lá em casa fazer trabalhos para ganhar pontos, então não sei muito bem como funciona…
- Eu pra ser totalmente sincero também nunca tive, sei que parece que sou muito carismático e popular na escola, mas na verdade só tive um amigo também, ele se chamava Gabriel e estudou comigo no ano passado, mas ele teve que se mudar este ano para outro país e consequentemente saiu da escola - Henry estava meio sem jeito, mas ver o amigo se abrindo ali para ele era tudo que ele precisava como prova de lealdade. Não conhecia Thobias a muito tempo, mas naquele momento, enquanto olhava nos olhos do amigo que havia defendido ele sem ao menos conhece-lo durante os primeiros dias de aula. Ele soube. Era Thoby. - Podemos fazer assim olha. Você me conta algo que mais vem te incomodando e eu faço também. O que acha?
- Certo… - suspirou. - Meus pais, eles estão se separando e... e eu devo decidir com quem vou morar sendo que sei que no fundo eu quero morar com meu pai, mas também sei que se eu morar com ele minha mãe vai ficar destruída. Até hoje ela não sabe lidar com a mudança do meu irmão, imagina com a minha…
- Bom, eu te entendo… Meus pais são separados, mas eu moro com minha mãe desde que me entendo por gente então não precisei lidar com esse tipo de escolha. Porém eu acho que se for o que você realmente quer, sua mãe vai ter que entender. Sei que você ama muito ela e se preocupa de como ela vai ficar se você também for, mas mesmo ela sendo sua mãe você não pode se privar da sua felicidade para agradar ela. Sem contar que você está em seu total direito de morar com seu pai. Eu penso assim.
- Entendi. Obrigado Thoby. Você é incrível - Henry estava vermelho, mas sentia que precisava abraçar o amigo, e assim fez. Mesmo sendo muito menor que ele e sua cabeça tendo ficado encostada no peito do amigo. Após alguns segundos eles se afastaram e Henry pode ver que agora o amigo que estava vermelho. - Sua vez.
- Então... O meu problema é relacionada a Carla… Acho que foi um erro ter começado a namorar com ela. Eu sinto que na verdade não a amo - ele parou por uns segundos. - Não sei explicar… - uma lágrima caiu pelo rosto de Thoby e Henry se assustou, não imaginou que seria algo tão intenso. - Acontece que só estou com ela para provar algo para mim mesmo. Algo que percebi que não adianta eu tentar provar.
Nesse momento a barriga de Henry começou a doer e ele não sabia o que estava por vir.
- Thoby se acalma… o que? O que você queria provar a si mesmo?
- Eu… eu… eu queria provar a mim mesmo que… desculpa eu não consigo.
- Thoby eu estou aqui com você...
- Queria provar a mim mesmo que não sou gay.
O coração de Henry parou, ou bateu muito forte. Ele não sabia mais distinguir nada. Só sabia que não estava preparado para este tipo de revelação e não tinha a mínima noção de como responder.
- Desde quanto você sabe que é gay? - na altura do campeonato as mãos de Henry tremiam e Thobias estava em lágrimas constantes que não paravam de cair.
- Foi a dois anos quando eu conheci o Gabriel num aplicativo para encontros gays.
- Mas para você baixar esse tipo de aplicativo tem que no mínimo imaginar que sente algo por garotos não?
- Aí que está, não. Eu encontrei por acaso e baixei, não pensei, eu apenas quis, não sei… eu senti necessidade de baixar é inexplicável e quando percebi eu estava apaixonado por ele. Acabou que um ano depois ele entrou para Halliburton e começamos a namorar, uma tremenda conhecidencia, você não imagina o quão ficamos felizes. Foi quando eu tive certeza. Porém depois disso eu não tive coragem de contar para ninguém... Era muito difícil olhar para minha mãe e falar que namorava uma Gabriela sabe... não que ela não fosse me aceitar, no fundo eu acho que ela ia, mas eu só não tive e não tenho coragem. Você é a primeira pessoa que soube depois que ele se foi para outro país.
- Eu não fazia idéia... continue.
- Depois que ele foi eu não arranjei outra alternativa se não começar a namorar com a Carla e tentar me convencer que na verdade foi tudo só uma fase. Foi a forma que achei para me recuperar disso tudo. Porém eu sei que não. Agora mais que tudo eu sei.
A boca de Henry estava seca, ele sabia que o amigo havia sido mais sincero com ele do que havia sido com si próprio durante muito tempo e ele não podia deixar o amigo na mão. Precisava ajudar. Então mais uma vez ele abraçou o amigo, dessa vez um pouco mais forte.
- Eu estou contigo, para tudo está me ouvindo? Não importa o que você seja. Eu estou aqui. Não faço idéia do que você deve fazer e não tenho noção do quão difícil deve estar sendo pra você conviver com esse peso tanto tempo, mas acho que o primeiro passo é conversar com a Carla, você não precisa contar tudo… só precisa falar o necessário. Até onde você quiser.
- Na verdade. Eu preciso sim. Ela merece saber. Obrigado por tudo Henry. Irei contar pra ela assim que me sentir seguro.
Então assim que acabaram de conversar ambos seguiram o caminho em silêncio observando a paisagem, mas não era um silêncio constrangedor em que você sentia a necessidade de puxar um assunto e não conseguia. Era um silêncio intencional, quase que calculado para que cada um pudesse se recompor até chegarem na escola. E passado vinte minutos lá estavam eles, prontos e estabilizados para mais um dia em Halliburton. Ou não.
Então os dois passaram pelo portão de entrada e adentraram o colégio seguindo em direção a escada e logo após começando a subi-las, até que Thobias segurou o amigo pelo braço.
- Henry…
- Thoby.
- Trouxe o trabalho de português feito?
- Que trabalho?
- Ela passou na primeira aula e disse que quem não trouxesse não precisava nem tentar entrar em sala. Então, trouxe?
- Não...
- Também não. Acha que conseguiremos entrar na aula?
- Não... E você?
Os dois se olharam.
- Muito menos…
Ambos deram meia volta sem falar nada, desceram as escadas e foram se sentar no pátio para esperar até o fim da aula de português.
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Henry Tommison - Diário de sobrevivência
RomanceHenry é um garoto de quinze anos muito inteligente que após o divórcio dos pais acaba tendo que ir para uma escola estadual cursar o seu primeiro ano do ensino médio. Além de sofrer de ansiedade ele é totalmente anti-social. Com o passar do ano ele...