Capítulo 3

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         Joana acordou, olhou o relógio e levantou-se apressada. Gerson  sairá cedo para trabalhar e não a acordará.  Na véspera, fora dormir muito tarde preparando os doces e o bolo para a festa de Milena, que, no sábado, completaria dezessete anos.
        Ela correu para acordar a filha, com receio de que a jovem perdesse a hora para o colégio. Vendo-a entrar no quarto, Milena tornou:
        - Mãe, você perdeu a hora, mas eu não.
        - Você foi dormir na mesma hora que eu. Hoje é dia de prova, e eu não queria que faltasse.
       - Eu não consegui dormir muito bem. Fiquei imaginando como será a festa, pois é a primeira que fazemos na casa nova. Convidei alguns amigos da escola.
        - Vai ser um sucesso. A comadre Zefa também está fazendo aqueles doces de que você gosta. Seu vestido ficou lindo! O Bernardo vai trazer o violão, vamos cantar...
        Os olhos de Milena Brilharam de alegria, e Joana não se conteve:
        - Você está muito linda. Parece uma artista.
         Milena havia se tornado uma morena de corpo bem-feito, de cabelos ondulados, olhos verdes, rosto oval, lábios carnudos e duas covinhas na face quando sorria.
         A principio, Joana orgulhava-se da beleza da filha, de sua inteligência e da facilidade com que a jovem lidava com as pessoas à sua volta.
        Já Gerson, encantado com a filha, não escondia seu ciúme,  zelando por ela de tal sorte que Joana por vezes reclamava:
        - Deixe a menina, Gerson. Ela tem mais juízo do que você. Eu confio nela!
        - Eu também confio nela! Eu não confio nos outros!
         Gerson estava sempre fazendo recomendações para que Milena tivesse cuidado, não conversasse com estranhos e, quando acontecia alguma coisa ruim no jornais, ou na televisão,  com alguma jovem, ele fazia questão de mostrar-lhe, com a intenção de protegê-la.
        Joana não gostava que o marido agisse dessa forma. Ela sentia que Milena era uma pessoa calma, que sabia portar-se, e que a filha não era como as mocinhas que ela conhecia. Quando Gerson exagerava, Joana Intervinha:
       - Ela tem juízo! Sabe o que quer. Nunca nos deu motivo de preocupação. Até as pessoas de mais idade gostam de conversar com nossa filha.
        - Mas ela vive rodeada de muitas mocinhas sem juízo,  que estão sempre falando de namorados.
        - Sobre o que você gostaria que as mocinhas conversassem? Elas sonham com o amor, querem se casar, como nós fizemos.
        -  Aí que mora o perigo, Joana. Há muitos rapazes safados, que sempre estão em volta das meninas. Minha mãe dizia sempre que elas gostam mais desses rapazes.
        - Chega de dizer isso na frente de Milena. De tanto repetir, até parece que está sugerindo isso.  Cruz-credo!
        - Eu quero ver o malandro que vai iludir minha filha! Não vai viver para contar a história.
         Milena tomou café apressada, apanhou sua pasta, deu uma olhada no espelho e despediu-se da mãe.
        - Estou indo. Assim que terminar a aula, voltarei correndo para casa. Quero ajudá-la a arrumar tudo, mãe.
       - Vá com Deus, minha filha.
        Depois que a jovem se foi, Joana sentou-se para tomar o café. Nena aproximou-se:
        - Dona Joana, seu Augusto da padaria mandou lhe dizer que amanhã vai trazer sua encomenda bem cedo.
        - Vai dar tempo de fazermos os sanduíches.
         Enquanto tomava o café,  Joana pensava no quanto a vida da família havia mudado, depois que Milena nascerá.  Nena, cujos pais haviam morrido em um acidente quando ela tinha cartoze anos, ficará só no mundo. Milena tinha oito anos quando ela e Gerson a acolheram. Nena, agradecida, fazia o que podia para cooperar.
      O negocio que iniciaram com dedicação, muito trabalho, com o capricho com que faziam tudo e a honestidade com que agiam e recebiam os clientes, havia se transformado em uma lanchonete, que contava já com alguns empregados.
           Durante esse tempo, Nena mostrará-se tão eficiente, que eles decidiram dar-lhe um salário, o que a deixara radiante. Aos vinte e três anos, ela tornara-se uma mulata forte, bonita, sorriso pronto, olhos grandes e cabelos soltos nos ombros.
         Desde o começo,  a jovem afeiçoara-se a Milena, por quem nutria grande admiração e a quem fazia de tudo para agradar. As duas conversavam muito e riam por qualquer coisa.
        Durante os anos que se seguiram, trabalhando, economizando, pensando no futuro, Gerson e Joana compraram um espaçoso sobrado, deixando a pequena casinha que haviam alugado para trás, ao saírem da favela.
        Em meio a lembranças, Joana suspirou satisfeita e continuou rememorando. Tudo havia culminado na compra da casa própria, na qual estavam residindo há cerca de seis meses.
         Era um sobrado antigo, na Tijuca, isolado de um lado, com garagem, sala de estar, sala de jantar, três quartos e um quintal, onde havia espaço para plantar e, encostadas no muro, mais duas sala que a família fizera de depósito para seus matérias de trabalho.
        Gerson e Joana sempre comemoravam os aniversários da filha, mesmo nos primeiros tempos. No barraco, nesse dia sempre havia bolo, refrigerante e doces. É os filhos da Zefa sempre compareciam à festa com violão e alguns instrumentos simples de percussão para alegrar a comemoração.
       Era a primeira festa na casa nova e, desta vez, Milena convidará alguns colegas da escola. A jovem estava terminando o colegial e sempre fora boa aluna. Devido a presença dos colegas na comemoração, era natural que ficasse ansiosa com o aniversário.
         Joana, por sua vez, também ficava insegura em receber pessoas desconhecidas, pois, entre os amigos da filha,  só Renata costumava visitá-los. Apesar de manter amizade com várias alunas, Milena trouxera a jovem para sua intimidade, desde o tempo que moravam na pequena casa da vila.
         Joana divagava, pensando em seus tempos de colégio. Ela não terminará o primário. Por muitos anos, morou no subúrbio e precisou deixar a escola para ficar em casa cuidando dos dois irmãos pequenos, enquanto os pais saiam cedo para trabalhar em uma chácara.
         Apesar de não ter conseguido estudar, Joana gostava de ler e, às vezes, quando ganhava algum dinheiro, ia a um sebo escolher um livro. Assim que Joana se tornou uma mocinha, a mãe dela começou a sofrer de reumatismo e não pôde mais trabalhar, ficando em casa para cuidar dos meninos.
        Joana, então,  empregou-se como doméstica na casa de uma professora, onde havia uma biblioteca que, além de livros de estudo, contava com romances. Ela logo se interessou pelas obras, e, para sua alegria, a patroa permitia que ela lesse aqueles livros.
        Joana dormia no emprego e só ia para a casa dos pais uma vez por semana. Assim, depois do serviço feito, deliciava-se com a leitura.
       Ao recordar-se de todos esses fatos, Joana, depois do café,  foi para o quarto, ajoelhou-se e, como sempre fazia, conversou com Deus, agradecendo-lhe por todas as coisas que a vida lhe dera e pedindo que ele continuasse a proteger sua família e os abençoasse.
       Depois, satisfeita, Joana foi para cozinha continuar os preparativos da festa com o auxílio de Nena.

Ela Confiou na Vida - Zibia GasparettoOnde histórias criam vida. Descubra agora