kagerou

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passei três meses mal dormidos desperdiçados costurando o vestido do seu casamento e à cada exigência camuflada de renda ou tafetá, seus olhos se esbugalhavam à ponto de substituir pupilas desgastadas de tanto chorar e espernear por mero broche inadimplente que sempre foi uma herança da sua tia avó. seus miseráveis pêndulos descalços batiam contra a janela da sala num baque acrílico complexo demais para quem não bebe vinho tinto e tropeça com dois goles de rosé, mas eu nunca disse nada. nunca disse nada porque nunca precisei de comprovação para teorias mal formadas e ainda assim simples e entendíveis: você não o amava. você vestiu seda na primavera & látex no inferno mas eu nunca te disse que parte dessa persuasão lírica não passava de um delírio, e você, mera miragem triunfante, não contente porque sempre quis comer mais do que a boca aguentava.

agora, vivi fuma dentro de tanques de gasolina e come pérolas maciças feitas com o marzipan do seu bolo de casamento estragado e demolido pelas próprias garras de jupiter que nunca sentiram a dor se se ter uma agulha tecendo vãos pelos dedos das mãos por alguém que sempre quis ser uma sereia mas nunca teve barbatanas. essa é a dor da complexidade em aceitar que cavalheiros mal-dormidos não se importam com o bronzeado de uma plebéia fútil que derrete espadas de brata e as transforma em sutis gargantilhas imperceptíveis por debaixo do chale penoso que versace prometeu ser a última tendência de outono. está tudo bem.

teci um vestido para cada um dos casamentos e para cada uma das mortes que se consolidavam dia após dia com a gana da minha certeza. em algum momento as coroas do inferno pesariam mais do que a seda do décimo segundo vestido em sua pequena bolsa de mão e a orla da praia receberia mais visitantes do que o esperado para aquele final de primavera setembrina. onze espartilhos partidos pelos dentes-serrote de vinte e duas sereias com rabo de baleia passeando por dentro das calças dos marinheiros mais infantis do primeiro navio avistado. não precisam de esforço, tampouco do canto da iara, porque isso não é uma miragem e nunca vai ser.

então, não se engane! porque eu também sei comer o metal dos seus garfos sem cabo e das suas espadas sem fio.

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⏰ Última atualização: Feb 10, 2020 ⏰

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SILK TAFFETAOnde histórias criam vida. Descubra agora