DAS FAMÍLIAS aristocratas daquela época, os Butzelaar nunca destoaram muito — apesar do jovem herdeiro inexperiente e a casa isolada na pacata região, ainda se impunha sobre a colina uma mansão deslumbrante; reflexo da condição financeira que a família deixava para trás havia gerações.
Victor esperava no topo da escada, de tempos em tempos checando seu relógio de bolso. Seus convidados deveriam chegar a qualquer momento. Não era nenhuma ocasião suntuosa, mas as normas de hospitalidade exigiam um chá quente sobre a mesa — posto ao lado da pilha de cartões que o jovem Butzelaar preparara para o jogo daquela noite.
A tempestade estava próxima e as nuvens se fechavam sobre o céu quando se aproximou o coche que ele aguardava. Ajeitando a postura, Victor desceu as escadas prontamente, abrindo ele mesmo a porta do coche.
De dentro do veículo, saltou primeiro a dama ruiva com o sorriso de canto. Victor lhe deu a mão e fez uma leve mesura, mas Ida apenas ajeitou o xale sobre os ombros, educadamente recusando a mão do amigo e entrando na casa. Seguindo-a, seu marido. Samuel apertou a mão do anfitrião com um sorriso característico, em seguida enlaçando braços com sua esposa a caminho do hall de entrada.
Victor tomou cuidado ao pegar a mão enluvada de Emma. A renda preta do luto cobria quase cada centímetro de seu corpo, dos pés ao casquete adornando seus cabelos loiros. Ela se limitou a um meneio com a cabeça e o fantasma de um sorriso por baixo do véu sobre seus olhos, aceitando a ajuda para se abrigar da chuva. Emma não expressava qualquer emoção desde o desaparecimento de seu filho, Frank, ainda na tenra idade dos seis anos.
Atrás de Emma, por último, e fechando a porta da carruagem área de si, desceu Albert. Victor e ele se encararam em respeito mútuo, com um meio sorriso espelhado no rosto dos dois.
Os três irmãos Vanderboom não se pareciam muito entre si — Emma possuía os cabelos loiros como fios de ouro, Samuel tinha o rosto redondo e pacato e Albert destoava ainda mais com suas feições alongadas, cabelo cinzento ralo e principalmente a cicatriz arroxeada que descia por um lado de seu rosto.
Victor Butzelaar era amigo de longa data dos três, por uma tradição mantida por seus pais, e os pais de seus pais, e os pais desses pais e seus pais. Desde criança, ele via o claro comportamento diferente dos três irmãos, e a tensão entre eles.
Mas com uma noite de jogatina em mente, um apenas passatempo em meio a uma noite chuvosa, Victor preparara um jogo para a família Vanderboom.
— Meus caros amigos. — Com os quatro ao redor da mesa, Victor abriu um sorriso e juntou as palmas das mãos. — É um prazer recebê-los em minha residência novamente.
Samuel ergueu a xícara em um sorriso condescendente. Emma deu um gole de leve de seu chá, ainda fumegando. A chuva aumentou ainda mais do lado de fora.
— Preparei um pequeno jogo, para distrair-nos nesta noite chuvosa. Minha cara Ida, se me permite. — Victor estendeu a mão para a mulher ruiva, que tirou do bolso um deque de cartas ornamentado, o colocando na palma do anfitrião.
Ida Reiziger não era uma conhecida de infância de Victor, mas os dois tiveram considerável contato desde que ela se casou com Samuel Vanderboom. Sua peculiar conexão com o oculto através da cartomancia atraíra a atenção do jovem Butzelaar.
Do deque oferecido a ele, Victor retirou quatro cartas e as estendeu sobre a mesa.
— Usaremos estas cartas desprovidas de sua simbologia. O diabo, a alta sacerdotisa, a carruagem, a imperatriz... — Com um aceno de cabeça para a dona do baralho, ele voltou a encarar os outros convidados. — Esta noite, serão apenas personagens no jogo das mentiras.
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the lying game • conto
Short Story› CONTO COMPLETO O JOGO DAS MENTIRAS ㅤㅤㅤㅤ❝ o diabo sempre mente. ㅤㅤㅤㅤa alta sacerdotisa sempre ㅤㅤㅤㅤfala a verdade. a carruagem ㅤㅤㅤㅤapenas mente uma vez. a ㅤㅤㅤㅤimperatriz apenas fala uma ㅤㅤㅤㅤverdade. ❞ onde victor prepara um jogo para samuel, ida, em...