De Volta para o Presente

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Tudo era branco: o teto, as luzes, as paredes, o piso e até o sofá. O sofá. Este fez Nathan lembrar de um momento que vivera à decadas atrás, então o tempo parou e ele entrou mais uma vez em seu barco, que andava sem rumo o levando até sua infância, certa vez que tinha se perdido de seus pais. Ele não se importou instantaneamente, aproveitou o passe ilimitado que o deixava andar em todos os brinquedos, se gabando quando encontrava alguém que já conhecia. O sofá lembrava um brinquedo com um assento circular e uma estrutura com altura de meio metro em volta e havia apenas uma abertura nos dois. Ele apresentou sua pulseira à moça e entrou, junto com um pai, mãe e a filha do casal, até que o assento começou a girar e chacoalhar, não adiantando segurar na estrutura em volta, pois esta, apesar de junta ao assento, não se mexia. Como se Nathan precisasse agarrar em algo. Ele não precisava, era muito agitado, continuou girando até notar que a família estava muito mais feliz que ele, se desesperou. Queria encontrar seus pais novamente. Onde estariam? Com certeza estavam procurando ele desesperadamente. Ao se levantar, não manteve o equilíbrio e caiu. A viagem de barco tinha acabado.
Nathan se encontrava novamente na sede da N-Tek, lugar que considerava sua casa. Iria reclamar com Ellie por que tanta demora. Abriu a boca, mas o que saiu não foram palavras, foi uma lágrima que desceu acariciando o nariz dele e, em seguida, entrando em sua boca, o fazendo perceber que ela ainda estava aberta. Não conseguia fechá-la, muito menos utilizá-la.
- Sentimos sua falta! - expressou a voz calma de Ellie, que mantinha esse tom e o de confiança na maioria de suas falas.
- Eu também, de todos vocês! - afirmou alegremente, pensando qual seria a grande missão que o trouxera de volta.
- Sente-se.
Nathan logo entrou na abertura do sofá, passando por alguém que não era antes da N-Tek, mas lhe parecia familiar, e vendo Abellard, que continuava usando roupas com a escrita "NYC", Janne, que apesar de sorrir para Nathan era claro que seu semblante era mais triste, Lilian, com seu casaco por cima do uniforme da polícia e Ben, todos mantendo distância de centímetros uns dos outros. Ao passar comprimentando cada um e notando como eles o olhavam espantados, Nathan sentou um pouco afastado deles, quase próximo ao "novato". Ellie era a única que não estava sentada, mas em pé, parada em frente a televisão, a qual estava em um canal de notícias.
- Primeiramente - começou Ellie - Peço desculpas a você, Nathan. Ben e eu não conseguimos alertar você antes porque detectamos a manifestação tarde, e você provavelmente já estava no trabalho, então esperamos você voltar do trabalho para ligar, e nem imagino o que você deve ter feito para entrar na estação. - nessa hora ela olhou para a roupa de Nathan - E sim, estamos reunidos por causa desse alvoroço.
Por um momento, Nathan se esqueceu qe suas roupas estavam manchadas com sangue e ainda molhadas.
- Aceito suas desculpas, com certeza, não precisava se desculpar. E isso - falou olhando sua roupa - Tive uma briga com alguns manifestantes mas nada demais.
Ellie então começou a andar de uma parede a outra, selecionando o que iria dizer a todos e permitindo que eles ouvissem o noticiário e vissem, mesmo com ela passando devagar e bloqueando a imagem por um tempo. Era a mesma coisa, a gangue aumentava assim como os estragos que causavam.
- Ok! Sim! - Ellie estava falando consigo mesma em voz alta, mas não demorou a interagir com os outros - Como foram esses cinco meses para você, Abellard? - se referiu apontando dicidamente para um homem negro, um pouco forte e com cabelos pretos e com dreads de lã amarelos.
- Continuei perto da estação de trem quase abandonada, onde passei os dias não fazendo nada demais, nem sequer entrando na estação. Só tinha um rádio onde ouvia notícias, algumas relacionadas ao dinheiro que estão oferecendo para quem me achar vivo, e o telefone. Nunca fui visto. - Abellard dizia isso sem expressão, obviamente porque todos os dias que passou longe da equipe foram sem graça e entediantes.
Agora Ellie apontava para Lilian, irmã de Abellard, que disse orgulhosa:
- Finalmente entrei para a polícia, já sou uma supervisora, pois assim que entrei o delegado logo notou meu potencial e organização, e, mesmo ele me tratando com indiferença, teve que admitir que eu era a mais qualificada. Lógico que têm quem não me respeita no trabalho, alguns falam de mim pelas costas, outros não aceitam uma mulher em tal cargo, alguns vivem me torturando com o fato de meu irmão estar sendo procurado ou à cada vez que aumentam a recompensa para quem o achar - Agora sua expressão e voz não demonstravam mais orgulho, e sim certa infelicidade - Mas em geral foram ótimos meses de diversas conquistas e trabalho pesado, sem falar que ainda consegui me encontrar duas vezes com Abellard.
- Ótimo! - Ellie ainda andava de uma parede a outra, pensando bastante e imaginando tudo aquilo que lhe era contado - Janne.
- Consegui um emprego de secretária e somente isso aconteceu, foi assim que passei os meses, sendo secretária, exceto pela vez em que tive que limpar o banhe...
- Ouviram isso? - Interrompeu Ellie.
Todos olharam para o duto e ouviram com atenção os gritos que provavelmente vinham dos manifestantes que agora estavam no banheiro do metrô. - Isso não. A televisão!
Nesse momento ela se encostou em uma das paredes permitindo que eles vissem o noticiário.
- Urgente! Acabaram de chegar informações sobre os manifestantes, aconteceu algo bem peculiar envolvendo três deles. Depois de bastante tempo, finalmente nosso herói resolveu aparecer, nocauteando três manifestantes que se afastaram um pouco do grupo, que foram achados pela nossa equipe que estava filmando alguns vândalos à distância. Agora, será que ele vai continuar nocauteando alguns? Isso de nada adiantaria, pois a gangue já conta com OITOCENTAS pessoas, e o nosso homem de preto precisaria de muito tempo para acabar de uma... espera... não... NÃO! Terei de informar algo muito triste àqueles amam nosso herói, ele está sendo perseguido por um grupo de pelo menos trinta dos manifestantes, e parece que ele está sem saída, vai dar de cara com a Rua Scorces onde será encurralado, mas ele não está mais no alcance de nossas câmeras, infelizmente. Antes de partirmos para a previsão do tempo, as redes sociais do "Notícias do 8" foram bombardeadas com a seguinte pergunta, e nossa equipe toda se sente na obrigação de fazê-la: onde está a polícia na hora em que todos precisamos dela?
- A polícia não virá! Essa é a resposta - retorquiu Lilian, como se a jornalista podesse ouvi-la. - E é culpa do delegado que está ignorando todos os acontecimentos. Já consigo imaginar ele e Eduardo sendo babacas.
- Não se preocupem, Max sabe se virar e tem suas habilidades. - disse Ellie tentando acalmá-los e mudando o assunto para o noticiário. Prosseguiu encarando Janne - O que você ia dizendo?
- Max me visitou uma vez, mas, fora isso, nada importante aconteceu.
- Será que Max vai ficar mesmo bem? - a voz vinha do novato.
- Você pode não saber, Ricardo, mas o Max tem um grande potencial. Ficará bem.
Era a vez de Nathan contar como os meses foram torturantes para ele, trabalhando muito, ganhando pouco e sendo humilhado por um chefe que não chegava ao seu ombro. Mas Ellie pulou sua vez.
- Bom, creio que vocês não conhecem Ricardo. - dessa vez apontou para único que não estava presente na formação original da N-Tek - Bom, primeiro eu gostaria que ele nos dissesse como veio parar aqui - disse aparentemente surpresa.
- Bom, não acho que devo confiar em vocês. Só estou porque confio no Max. Tenho um irmão mais novo para...
- Pode confiar em nós, pois ele também confiava, justamente por isso o aconselhou vir aqui, creio eu - interrompeu Ellie.
- Max me visitou onde trabalho a uns meses e meu deu um telefone. Ele também disse que quando tocasse eu deveria ir à estação de metrô e entrar no duto de ventilação do banheiro masculino e virar à esquerda, depois à direita, seguir reto e virar à esquerda mais uma vez, e me fez jurar que eu faria isso, fim.
Ricardo encarava os demais com desconforto. Havia pulado uma parte crucial de seu encontro com o Max, mas ainda se sentia inseguro no meio de tantos desconhecidos. Além da forte pergunta: por que Max o aconselhou ir até aquele lugar.
Ellie começou a andar de um lado para o outro, bloqueando temporariamente a imagem da televisão quando por ela passava.
- Eu tenho um plano, que criei hoje de manhã (por isso pode ter falhas) assim que descobri sobre os vândalos.
- A gente vai seguir um plano criado às pressas? - perguntou Abellard, em um tom alto.
-Melhor do que no improviso. Prosseguindo, vocês se lembram que Ben tinha um desejo de entrar para a corporação da polícia. Se alistou e está na lista de chamada. Pensei em uma maneira de acabar, mesmo que apenas por horas, com a manifestação, colocar ele no emprego dos sonhos e ainda hackearmos o servidor da polícia para descobrirmos informações confidenciais e assim estarmos um passo à frente de todos - Ellie definitivamente não queria fazer pausas, perdendo assim seu tempo. Logo prosseguiu - Ben criou um microfone e um alto-falante acoplados e absurdamente minúsculos, na verdade dois que se conectam. Um deles estará com Abellard, Janne e Nathan. Vocês irão deixá‐lo perto do líder do grupo; Ben levará o outro ao delegado, que terá contato com o líder, e, enquanto estiver negociando com ele, eu entro, fingindo ser alguém de cargo importante, usando minha persuasão e sendo acobertada por você, Lilian. Para não acharem você de alguma forma, Abellard, comprei uma máscara de pato, você sairá com ela, e por Nathan e Janne estarem juntos a você, não desconfiaram que não fazem parte do grupo, pois nem todos do manifesto têm máscaras. Uma também para você, Lilian, que sairá com Ben, pouco depois deles. Usem o telefone para comunicar a Ben quando deixarem o aparelho perto do líder. Eu conversarei com Ricardo e aparecerei na delegacia daqui a uns instantes. Ao terminarem, voltem para casa.
- Você concorda com isso, Ben?
Ben, por ser o mais inteligente e criar diversos eletrônicos, tinha uma opinião que influenciava muito a decisão dos demais.
- Já houve complicações nos planos de Ellie, mas nunca falhas. Acho que já aprendemos a confiar nela.
- Quando retornaremos, após realizarmos o plano? - indagou Nathan.
- Amanha, no horário que quiserem. - respondeu Ellie, com um sorriso de empolgação ao notar o início do plano.
Todos ali estavam surpresos, e desconfiados. Ninguém realmente acreditava que o plano iria funcionar, além disso, à essa altura, os manifestantes já estariam na estação, tornando assim mais difícil para chegarem ao líder. Acima de tudo, confiavam em Ellie. Confiavam em seus planos.
Ela tirou do bolso de sua calça o que parecia ser uma bola de gude junta a um dado, com faces lisas, ambos pretos. Se dirigiu a Nathan e o entregou, logo após tirou uma máscara de pato de trás de um dos travesseiros no sofá e deu a Abellard. Então, entrou em um corredor à esquerda da televisão e voltou um tempo depois com uma pistola Glock na mão e esticou o braço em direção à Janne, e ela pegou. Por fim, Ellie desejou boa sorte a eles e, antes de abrirem a portinha com senha que levava ao duto de ventilação, ordenou:
- Nathan, você ficará por um tempo. -
Em seguida, ela pegou outra máscara atrás do travesseiro em que Ben estava, e a entregou à Lilian.
- Cuidado, Lilian. Ninguém pode saber que você esteve na manifestação. Perderia seu cargo automaticamente.
- Eu sei, Ellie. - falou Lilian sem confiança, tom totalmente diferente do de Ellie - Você sabe que teria sido melhor não ter dito isso.
- Eu sei, mas tive que encorajá-la - Pela segunda vez manifestou um sorriso em seu rosto, se despedindo com um aceno ao ver os dois passando pela abertura do duto.
Agora se direcionando a Nathan, de novo andou calmamente escolhendo as palavras certas:
- Você nunca foi de manifestar seus sentimentos. Sempre um pouco ignorante, eu diria. - Nathan prestava bastante atenção - Eu queria ficar a sós com você...
- Eu ainda estou aqui - contrariou Ricardo, que, ao ver o olhar de Ellie e notar ter interrompido algo importante, ficou envergonhado.
- Serei direta - prosseguiu a única mulher presente - Como você passou esses últimos meses.
A mesma sensação que teve ao chegar na sala envolveu novamente Nathan, estava em um barco, que navegava bem rápido por suas memórias dos últimos cinco meses, todas as broncas injustas que havia levado de seu chefe, humilhações, a constante esperança de que o telefone iria tocar no momento em que mais necessitasse, e que, mesmo a necessidade aumentando a cada dia, ele não tocou.
Nathan era realmente ignorante, não se abria muito, às vezes exibia traços machistas, e, em alguns dos casos, se orgulhava disso. Ele queria tanto se reunir à N-Tek porque descontava o peso que o mundo jogava em suas costas em missões, descontava o fato de ter sido sequestrado, perdido o antigo emprego, a morte de seus pais(que ele sempre se culpava pelo ocorrido) descontava em atos de violência, e depois que conseguiu o seu braço de ferro, queria cada vez mais socar pessoas, vê-las sofrerem por crimes que tinham cometido. Mas, na verdade, quando fazia isso, os imaginava como os responsáveis por seus erros, como quem matou seus pais e como quem o sequestrou. E tudo se devia ao fato dele não conseguir se culpar por tudo que passara, seria muito mais fácil não só culpar os outros, como descontar neles.
- Ehh... - seus lábios se distanciaram para dar espaço às palavras, que não refletiram nada do seu pensamento - Nada aconteceu, de verdade. Consegui arranjar um emprego não muito bom. Não se preocupe comigo.
Ellie estava insatisfeita por não conseguir penetrar no lugar profundo do seu coração, o qual estava cheio de sentimentos querendo escapar por todas as direções. Mesmo assim, ela o deu permissão para se retirar e, assim, ficou sozinha com Ricardo.
- Agora, irei lhe tirar todas as duvidas sobre a equipe. Pergunte o que quiser.
- Peimeiramente, por quê? - Questionou Ricardo.
- Ótima pergunta! Sente-se no sofá, acomode-se... isso! - Ellie fez uma breve pausa - Eu criei essa equipe com uns poucos contatos que tinha, para acabar com aquilo que as pessoas desconhecem ou não têm coragem de lidar.
- E esse lugar?
- Construi em um lugar bem escondido, que mesmo assim me relembrasse a infância que tive. Vez ou outra notam a portinha com a senha, mas em seguida saem. Arranjei o dinheiro com a herança de meu pai.
- Bom, queria saber como tudo começou, e o que aconteceu da última vez. Notei que eu era o único desconhecido por todos, obviamente.
- A pergunta inevitável! Sabia que iria fazê-la rapidamente. Como irei à delegacia em pouquíssimo tempo, não poderei respondê-lo ‐ Ellie ficou imaginando quanto tempo havia se passado. - Agora, se não se incomoda, gostaria de fazer uma pergunta também.
- Prossiga.
- Me diga tudo sobre você e Max.
- Somos amigos de infância, nos conhecemos em um orfanato. Foi uma longa história até finalmente seguirmos nossos rumos, porém, continuamos amigos, ainda que nos últimos meses não trocamos nem uma palavra. Eu trabalho no shopping onde ele trabalhava como segurança. Nos divertiamos bastantes porque ele participava de uma das minhas turmas de dança.
- Então você é instrutor de dança. Interessante. O tempo está passando e quero saber se você fará parte da nossa corporação. Antes, você provou saber que Max é o herói tão comentado.
- Claro que sei. Ele, da última vez que falou comigo, estava usando a roupa que usa até hoje para combater o crime...
- Nessa hora, imagino, que ele lhe entregou o telefone e lhe explicou como entrar aqui quando o telefone tocasse.
- Isso mesmo. Mas ainda não entendo por que ele me queria aqui.
- Eu entreguei um telefone a cada um dos integrantes do grupo antes dele se desfazer, alertando que quando tocasse, todos se reuniriam, mas Max resolveu seguir carreira solo, e confiou sua vaga a você. Confiou em você. E se Max confia em você, eu também confio. Você aceita essa responsabilidade? Aceita entrar na equipe e combater qualquer ameaça que as pessoas e a polícia não conseguem? Acho que isso era o que Max queria para você.
Ricardo parecia aturdido pelas informações. Havia uma equipe secreta que combatia ameaças escondida de todos. O telefone que Max lhe dera na verdade era um convite para entrar nessa equipe. Foi isso o que pesou em sua decisão: Max. Se este havia lhe confiado, era porque havia um potencial em Ricardo, mesmo se ele não conseguisse se imaginar interrompendo experimentos clandestinos ou manifestações misteriosas, mas...
- Aceito! Mas agora preciso cuidar de meu irmão mais novo, ele está sozinho em casa. - Ricardo ia se retirando, passando pelo sofá circular e abrindo a portinha do duto. - O que você quis dizer naquela hora? Algo do tipo "Max tem suas habilidades"
- Ele irá voltar mais cedo que pensam, tenho certeza. E então ele lhe mostrará.
Os dois saíram. Ellie guiando o novato até a estação, tantas pessoas mascaradas que nem notaram o aparecimento de mais duas.
- Não seria mais seguro se estivéssemos com máscaras?
- Não é preciso. Se acalme, Ricardo. Está comigo, e logo aprenderá a confiar em mim. Aliás, só consegui duas, em quase todas as lojas haviam se esgotado.
Novamente Ellie sorriu, mas também se questionava: será que tudo estava ocorrendo como o esperado?

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