Zimá fora levado para o hospital apenas para removerem o resto da água em seus pulmões, e receitarem analgésicos para a dor do corte já grampeado pelos socorristas, ainda na praia. Enquanto aguardava, Zimá recebe a ligação de seu pai que se acalma quando vê que ele está bem, o jovem omitiu muitas coisas que viu, apenas ele e Toco sabiam o que aconteceu de verdade. Toco ficou por um tempo, lá, mas logo foi aproveitar seus quinze minutos de fama novamente ao dar entrevista novamente.
Poucas horas depois, Enzo foi buscar seu filho, e novamente retornaram pra casa, onde a cama quente de Zimá estava maravilhosa, e só na paz da escuridão ele pôde se concentrar no que havia presenciado, muito incrédulo ainda, buscava racionalizações, não foi a bebida, tampouco consumiu alguma droga recreativa. Suas crenças sobre o que havia no mundo haviam sofrido um grande baque. Inquieto como estava, só adormeceu depois de algumas horas buscando algum relato sobre espécies novas de moluscos ou peixes, até pagou por um tradutor em seu celular para pesquisar páginas e artigos em inglês, mas nada encontrou sobre o tema, somente artigos e mais artigos científicos e matérias sobre a diversidade marinha estar diminuindo, justamente o oposto da primeira coisa que se passou em sua cabeça.
Em alguns lugares do mundo estavam reintroduzindo animais marinhos aos habitats naturais delas, mas era um processo longo, não era possível que existisse um polvo tão grande assim, na costa do Ceará, ainda assim porque ele se pareceria tanto com uma mulher, e porque seria tão linda assim? Não sabia, dormiu e não sonhou com nada, apenas apagou.
Seu pai o acorda algumas horas depois do combinado, apiedando-se de seu filho pela noite conturbada que teve. Enzo arrumou a mochila de seu filho com algumas peças de roupa e já havia iniciado o preparo do almoço de sábado, iriam depois de almoçar, pois queria conversar com Zimá.
Eles moravam em uma área isolada, haviam muitas casas e sítios abandonados pela região, pois ali a alguns anos, ainda era próximo demais do mar, e a memória que o jovem Enzo tinha na época das Tempestades eram terríveis, ventos fortes o suficientes para pulverizar um prédio inteiro em segundos, e a alguns passos de distância uma leve brisa, colunas de água vindo do céu, como se Deus houvesse deixado a torneira aberta, milhões de metros cúbicos por segundo e em poucos segundos, era mais do que suficiente para abrir uma cratera e encher todas as ruas de uma cidade afogando-a num piscar de olhos, o número exato de vítimas era impreciso até os dias atuais, pois muitos dados se perderam na anexação do Brasil.
E lembrando dessa época que Enzo recobrava-se dos terrores climáticos dos quais está acostumado hoje, ele se lembrou do dia em que viu sua esposa procurando seu irmão no centro de feridos montado pela União, o corpo de seu cunhado que nunca conheceu pessoalmente nunca foi encontrado, mas foi a partir dali que ambos começaram o namoro e algum tempo depois, Khethellyn deu a luz ao Zimá, e meses depois ela os havia abandonado. O amor que ele tinha por seu filho se provou maior, foram anos complicados para um pescador, pai solteiro e pobre, seus sogros ajudaram muito, e ele tinha uma grande estima pelo casal.
Khethellyn parecia sofrer de depressão pós parto, algo estranho demais para Enzo entender, que não conseguia conceber que sua esposa houvesse mudado tanto, mas ele ainda esperava que ela se recuperasse, que voltaria para eles, até saber que ela havia se casado de novo. Enzo chora contido, mas logo para ao ouvir que seu havia acordado. Para disfarçar, pegou uma cebola e começou a picá-la sem cuidado algum, e seu plano funcionou perfeitamente, pois Zimá ao cumprimenta-lo fez uma brincadeira, provocando-o como sempre faziam.
– Obrigado por ter me deixado dormir um tiquinho mais, ontem realmente não foi meu dia. – Zimá para de falar quando vê seu pai triste por estar certamente pensando em sua mãe, disfarçando seu choro enquanto cortava a cebola na tábua que sua mãe havia comprado quando se casaram. Zimá não tinha nenhum apreço por ela tê-los abandonado, ainda assim a respeitava por seu pai. Seu pai o abraça e beija o topo de sua cabeça, pois quase havia perdido seu filho duas vezes em poucas horas na noite anterior.
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Sirene
HorrorZimá é um jovem pescador no litoral brasileiro vive com seu pai sobrevivendo as mudanças causadas pelo homem em seu ambiente. Sua vida corriqueira tem origens e cicatrizes muito mais profundas que o abismo submarino, com uma importância muito maior...