Olhei mais uma vez para o nome no alto da folha. Aquilo não estava certo, não podia estar certo, eu repetia várias vezes como um mantra, esperando que meu coração se acalmasse e que minha respiração não fosse tão ruidosa. Meus dedos tremiam enquanto meus olhos percorriam aquelas onze letras, as serifas e os traços formando duas palavras pequeninas e cheias de lembranças. Um nome que significava mais do que tudo para mim. Quantos anos faziam?, perguntava meu coração afobado, cada batida sua uma lembrança diferente. Que diferença faz?, respondia minha mente, querendo acabar logo com aquilo tudo.
Pode ser outra pessoa, alguém com o mesmo nome, com as mesmas onze letras, meu coração abobalhado insistia, as mãos unidas como se rezasse, Pode ser uma terrível coincidência. Ou pode ser a mesma pessoa, com aquelas mesmas mãos calorosas e o mesmo sorriso capaz de iluminar a mais completa escuridão, dessa vez eu insistia, teimando em fazer meu coração acreditar naquilo, enquanto minha mente batia em nós com o cabo de sua vassoura, como uma vizinha incomodada com o barulho no apartamento acima do dela.
Ao meu redor, tudo parecia borrado. Eu sabia que ainda estava na redação - na sala do meu editor-chefe - e que precisava dar uma resposta a ele. O que ele tinha me perguntado mesmo? Ah, algo sobre os macacos-prego do zoológico. Não! Algo sobre uma matéria fora da cidade? Isso! Isso mesmo! Meu chefe ainda esperava uma resposta, as mãos unidas sobre sua mesa de fórmica. Meus olhos percorreram a sala, silenciosos. Havia dois quadros na parede, a máquina de xerox e fax - quem ainda utiliza fax? - e na outra ponta, um armário embutido continha algumas garrafas com líquidos coloridos. O chão era coberto por um carpete azul-marinho, e não havia qualquer sinal de desorganização por ali. À mesa, havia um enorme computador lustrando de tão novo, um porta-retratos com uma foto do meu chefe e sua família, um porta-canetas cheio de lápis e outros materiais, vários papéis a serem assinados, e claro meu chefe, esperando ansiosamente minha resposta. O que ele tinha perguntado mesmo?
Dei um sorriso sem jeito. "Claro, Dimas. Posso arrumar minhas malas agora mesmo e amanhã bem cedinho você terá a sua exclusiva..." - eu disse, meio incerta. Baixei meus olhos, apertando meus dedos. A qualquer momento, minha circulação pararia de funcionar e eu poderia desmaiar. Sim, e aí eu não teria que fazer a entrevista. É, pode ser uma boa. Sobre o que ele estava falando? Pense! Procure se lembrar! Acho que ele estava falando sobre os macacos, com certeza, pensei com meus botões. Talvez eu possa conseguir um biólogo para me ajudar nessa matéria. Eu tenho um primo que pode me ajudar. E lá estava eu, divagando novamente. Minha distração constante às vezes era muito boa, especialmente quando determinado assunto não me interessava ou não era algo sobre o qual eu conseguia conversar sobre. Todavia, muitas vezes a distração não me permitia prestar atenção ao que acontecia ao meu redor, ao que as pessoas diziam. Eu só sabia que elas tinham falado algo porque via suas mãos se mexendo ou seus olhos brilhando em expectativa. Eu sempre alertava alguém que tentasse conversar comigo, e as pessoas inventavam qualquer coisa para fazer e se afastavam. Só quando entendi que numa conversa normal, ninguém comenta ou avisa que tem a capacidade de concentração de uma xícara, é que percebi que precisava ficar quietinha sobre isso. Xícaras devem se concentrar muito para não saírem gritando por causa do café quente, não é?
Concentre-se! O que ele falou mesmo vc? Foco! Foco!
Isso! Xícaras e cafezinhos! Ele quer que eu escreva sobre a nova máquina de café do jornal. É isso.
Foco, Bells!
Taco Bells! Saudades de comer lá. Eu deveria ir até lá depois do expediente...
Concentre-se!
Pude ver meu chefe dando um sorriso cheio de dentes brancos por debaixo do bigode cinza. Dimas Simpson era um dos melhores diretores de redação do país, e era uma honra muito grande poder trabalhar na mesma redação que ele comandava. Porém, depois que eu desse minha resposta, seria uma honra ser demitida por ele. E eu ainda sairia com um sorriso no rosto e diria a todos Olhem! Fui demitida por Dimas Simpson, editor-chefe e dono do melhor jornal do país! E tudo por causa de xícaras e cafezinhos! E olhem que nem tínhamos falado sobre o pão de queijo e a cesta de pãezinhos com queijo!