— Sam... acorda... Sullivan está chamando. — Charlotte empurra-me tão sutilmente que eu poderia voltar a dormir sem nenhuma dificuldade.
— Aconteceu algo? — Digo abrindo apenas um olho por conta da claridade.
— Ele não falou nada, disse apenas que precisa de uma reunião, urgente. — Charlotte diz e a ideia de ter que levantar já me dói.
Balanço a cabeça em aprovação e Charlotte sai.
Levanto da cama e dou de cara com o nosso acampamento. Sem nada de muito valor. Com lençóis no chão, dentro das tendas, para fazer de cama. Parece até um acampamento religioso, mas logo nota-se que não pelas armas.
As únicas pessoas agraciadas por ter uma cama com barras de ferro para ficar longe do chão, é apenas eu e Sullivan, o líder da gangue Wolves Kings. Um homem com cinquenta anos mais dentro de forma do que eu ou você, leitor.
Eu e mais alguns da gangue, fomos criados por Sullivan e Hank - o mais velho do grupo e um segundo líder da Wolves Kings. Por isso eu e os outros estão onde estão, por gratidão. Ele acolheu todos, seja aquele que chegou como um bebê ou aquele que veio mais velho. Ele abriu os braços para todos.
Lavo meu rosto e faço uma trança em meus cabelos longos e ruivos.
Coloco meu chapéu branco com um leve enfeite na lateral, uma pena cor negra e com alguns detalhes dourados. Feito sob medida e com o preço de uma casa.
Meu coldre cor negra. Uma blusa manga comprida de botão branca. Abotoo meu corselete escuro com riscos dourados. Acessório que não é muito confortável, porém, eu uso calças. Minha trança e meu espartilho são as únicas coisas que me defere dos outros homens. Visto minhas botas e por fim, meu cinto com o símbolo de nossa gangue: O rosto de um lobo com uma coroa.
— Bom dia, Sam! — Diz Elizabeth - uma mulher quase da idade de Hank - da nossa gangue. Mas ela, Charlotte, Amber e Grace só cuidam do nosso acampamento, não fazem o trabalho sujo.
Faço uma reverência com a cabeça e me viro em direção a barraca de Sullivan, com quase todos os membros do grupo.
— Olha só quem acordou, meu braço direito! Bom dia, Samira! — Sully diz com seu sorriso e bom humor de sempre.
Eu sou Samira, a única mulher da gangue que "põe a mão na massa."
— Finalmente! Pensei que nossa reunião seria só amanhã com tanta demora, afinal, você é privilegiada por ser mulher. Tudo no seu tempo, não é, Samira? — Fala o homem desprezível, Colin.
Encaro-o colocando a mão em meu coldre e destravando minha pistola.
Colin ri zombando.
— Ei... ei... ei... Vamos parar com brigas, ok? Colin? — Sullivan profere tentando amenizar.
Querido leitor, não é só porque somos uma gangue que não temos desavenças, principalmente com um cara chamado Colin Dexter. Homem compulsivo, que sempre deixa as emoções ficarem a flor da pele. Nunca consegue matar apenas se necessário. Leve Colin para uma missão e terá morte na certa!
A careca logo destoa da barba comprida e negra, destacando seus olhos cinzentos tempestuosos, quase brancos.
Viro-me para Sully ignorando o homem.
Vejo Dexter fazer o mesmo.
— Posso? — O líder da gangue pergunta.
— Por favor! — Dexter termina.
— Bom! Senhores... temos uma missão importantíssima na qual precisarei de todos vocês! Assaltaremos um banco em Lobury daqui a algumas semanas. As pessoas de lá são tão idiotas que parecem pedras. Nossa única preocupação são os guardas. O banco é o lugar mais bem vigiado da cidade e precisaremos, muito provavelmente, guerrear! — Quando Sullivan diz guerrear, ele quer dizer matar. — Steven vem analisando o lugar para mim e dará mais informações. Sr. Russel... por favor.
Steven Russel é o que posso dizer que não fede nem cheira, mas ainda é difícil de engolir. Tem uns vinte oito anos, cabelos negros aparados e olhos esverdeados como os meus. Tem uma filha chamada Emma. A mãe da menina veio bater na nossa porta pedindo abrigo anos atrás. Ela era uma prostituta e a defesa da mulher foi que as ervas não funcionaram. O que complicou foi que quando ela veio até nós, Steven estava fora.
Na época, tivemos que cuidar de uma mulher que não sabíamos de onde vinha e se o que falava era verdade. E ainda mais, esperar uma criança que nem sabíamos se era de Russel.
Houve uma época em que Steven nos abandonou e voltou a cerca de um ano atrás. Eu e Zahid, tivemos que encontrá-lo. Russel estava na tremenda de uma furada. Cheio de mercenários em seu encalço esperando o momento perfeito para atacar.
Eu nunca entendi muito bem que merda deu na cabeça dele de ir embora sem dar nenhuma explicação. Se era aventura que ele queria, conseguiu. Porque se tivéssemos chegado um minuto atrasados, Steven teria batido as botas. E ainda assim, ganhou uma bela de uma cicatriz no pescoço. Eu achei foi pouco!
Antes, eu até pensaria duas vezes em resgata-ló. Na verdade... pensei...
Somos procurados em quatro lugares diferentes, não existe espaço para erros. Ou você está dentro da gangue ou não está, não existe meio termo. Creio que hoje, Steven entende isso.
Russel acredita que Emma não é sua filha. Na época, eu tinha minhas dúvidas, mas hoje não. Emma é a cara lambida e cuspida de Steven, apenas alguns traços lembram da mãe.
Infelizmente, quando a mulher deu à luz a Emma, não resistiu.
— O lugar tem duas portas, uma de entrada e outra de saída. Fora do banco, na frente, existem quatro guardas. Atrás, do lado de fora, cinco. Dentro, na sala principal seis. E dois, na porta e os outros quatro, dos lados. Há guardas que protegem o cofre mas eu não tenho como dar certeza do número, diria que uns três... quatro... Nessa contagem. — Steven termina.
— Muito bom, filho! — Sullivan diz a Russel e se vira para mim. — Samira?
— Vamos entrar disfarçados. Pegar primeiro os de dentro e depois os de fora. Podemos pegar uma vítima, assim eles cooperariam e abririam o cofre. Dentro do banco, comigo, quero Steven, Zahid e Alejandro. Os outros: Elliot, Colin, Joshua e Thomas, ficam do lado de fora dando cobertura. — Olho para o chão pensativa. Precisamos de um cativo. — Talvez não precisemos matar... Quando sairmos, pegamos um policial de refém... não atirariam em nós. — Assinto para mim mesma. — Ouviram, não é?! Não quero erros. Comecem a atirar apenas se ouvirem tiros do lado de dentro. Se alguém começar sem a minha concepção... — Olho para todos. — Se sairmos vivos, terá que se entender comigo. — Suspiro. — Não quero erros! — Termino e viro-me a Sullivan.
— Ótimo! Dúvidas? — Sully indaga.
— Senhorita, como será nossa fuga? — Alejandro, pergunta.
Toda vez que Alejandro fala, o bigode enorme parece querer sair de seu rosto e começar a dançar.
Sully diz que encontrou Alejandro por um milagre. A vila em que ele morava, estava num incêndio caótico e quase ninguém sobreviveu. Sullivan ouviu o choro de Alejandro no estábulo. Sua família já tinha ido para baixo da terra e a única esperança do bigodudo era salvar o cavalo.
Alejandro é boa gente, perdeu muito. Como a maioria aqui.
— Como as de sempre. Saímos ao meu assobio.
— Perfeito! Dispensados! — O líder diz saindo.
Antes que todo o grupo se retire, agarro o braço de Colin e o viro para mim.
— Se você nos colocar em risco de novo, eu não vou hesitar em mandar uma bala na sua cabeça. — Digo olhando em seus olhos, o moreno engole seco e eu saio.
Mais afastada, Zahid se aproxima de mim.
— Ah! Pegue mais leve com ele... ele é apenas um psicopata sem autocontrole. — O homem fala e nós rimos.
— O filho da mãe vai acabar nos matando algum dia. — Digo balançando minha cabeça para os lados.
— Não estamos muito longe disso, então. — Zahid profere e sai.
Nosso acampamento de agora é no ponto mais alto de uma floresta, com uma vista incrível. Talvez seja o lugar mais bonito que já escolhemos para acampar. Lamentável saber que em pouco tempo, teremos que nos deslocar outra vez.
Sento em uma pedra com vista para florestas e montanhas. Talvez pensando onde nós vamos findar. Sinto a aragem em minha pele e fecho os olhos.
Meu rosto é o mais procurado da gangue depois de Sullivan. No folheto com minha face, diz: "Procura-se assassina. Samira Anderson. Viva ou morta. Recompensa, altíssima!"
Eu não tenho receio de ser pega ou de bater as botas. Sinto medo de algo ocorrer com Sullivan. O cara me criou... sem nenhuma causa existente, ele apenas fez. E agora eu devo minha vida a ele, porque sem Sully... nem viva eu estaria.
Ele tem um ideal, não considera justo como os ricos – que não exercem nada – obtêm tanto e os pobres morrem de fome.
Sullivan é um herói para os mendigos e o terror para os milionários do velho oeste. E por mais que eu ache que isso não vai levar a nada, por ele eu faço tudo. Sou grata e o seguiria até o inferno.
Olho de relance e vejo Steven. Escorado em uma árvore, e como eu, olhando para o nada.
Apesar de não conhecer Steven intimamente, sei que ele não concorda com Sullivan. O moreno acha que é um equívoco fazer tudo isso, mas como eu, ele é grato. Por mim, tanto faz se isso é o errado ou o certo, só executo tudo que me é dado mas para Russel, não.
Eu, Steven e Jessie, somos os membros da gangue em quem mais Sullivan confia, ele nos criou quando nem sabíamos andar direito. Isso nos torna filhos e confiáveis.
Steven se vira e me olha, desvio rapidamente para o horizonte.
Russel me encara e eu me volto para ele novamente com uma sobrancelha arqueada.
— Senhorita? Perdoe-me... — Diz Alejandro interrompendo-me com seu jeito educado de sempre. — Sullivan necessita de sua presença.
— Duas vezes em uma manhã, ele necessita é da minha existência.
— Ele pediu para que a senhorita chamasse Sr. Russel e Sr. Mohammad. Com sua licença, madame. — Alejandro fala e se retira.
— Russel! — Grito e ele me olha.
Aponto com a cabeça para a barraca de Sully e ele assente.
Viro-me e vou onde o chefe está.
Olho Zahid afiando suas facas.
— Mohammad, comigo! — Falo e ele para velozmente o que está fazendo e me segue.
— Sim? — Digo com os dois atrás de mim, entrando na barraca de nosso líder.
— Encontraram Matthew. Preciso que vá até ele.
Como é?
— Tá de brincadeira?! O garoto se mete em confusão e eu tenho que socorrer o idiota? — Franzo a testa.
— Sam, por favor! Ele faz parte de nossa família. — Sullivan toca em meu ombro. — Faça por mim.
— Ela vai! — Steven se envolve.
Viro-me para Russel.
— Quem é você para me dizer se vou ou não, Steven? — Fito-o.
O moreno iria falar algo mas Sully o impede.
— Por favor, Samira! Precisamos de você!
Olho para o mesmo, considerando se vale a pena ou não.
Assinto abaixando a cabeça e massageando minha testa.
— Onde ele tá? — Russel pergunta.
— Foi raptado por um grupo de caçadores de recompensa. Querem entregá-lo as autoridades mais próximas. — Sullivan suspira e eu solto um "idiota." — Foi visto nas ruínas, perto de Lobury. Vasculhem tudo lá até encontrá-lo. Vai ser uma tarefa difícil... Acredito no potencial de cada um. — Dá uma pausa. — Então, vão! — Termina.
Me viro para o acampamento encarando Russel com a cara mais rude que puder ter.
— Preparem suas coisas, saímos em cinco minutos. — Quase não se ouve minha voz.
Steven e Zahid assentem e saem.
— Confio em você, Samira! — Sully me vira para ele. — Confio, porque mesmo não querendo, você faz por mim. Como seu pai, me alegro. — Ele beija minha cabeça e sai.
Por mais que eu não goste da ideia de ter que salvar alguém, Matt faz parte de nossa gangue e então, de nossa família. Se eu não o ajudasse seria como se um irmão morresse.
Estalo a língua por minha vontade e o meu pensamento serem contraditórios.
Essa é a última vez que eu ajudo alguém, eu juro!
Vou até minha montaria pisando forte.
Bando de pirralhos que só sabem se meter em confusão.
Paro de frente para meu cavalo com as mãos na cintura e batendo o pé no chão impaciente, repetidamente.
Breu me olha e eu o encaro com uma sobrancelha erguida.
— Você também é um pirralho que só se mete em confusão. — O cavalo resmunga como se estive retrucando e me arranca um sorriso.
Breu, o mais rápido de todos. Um puro sangue árabe. Macho e o mais ligeiro da gangue.
Suas crinas são pretas e longas, soltas. Sua cor negra combina comigo, além de torná-lo mais selvagem e belo.
Na lista de coisas que eu amo, Breu está em primeiro, meu chapéu em segundo e minha pistolas em terceiro. Pode roubar minhas pistolas, mas não toque em meu cavalo e em meu chapéu. Se já tentou roubar, atirar, ferir minha montaria e meu chapéu, esqueça a possibilidade de uma amizade comigo.
Afago Breu, preparando-o mentalmente para uma missão.
— Meu garoto...
Eu morreria se algo acontecesse com ele.
Sully sempre dizia "Não se apegue com sua montaria, nosso trabalho é difícil e perigoso, corremos riscos. Não se apegue ao seu cavalo." Mas não pude evitar, assim que coloquei os olhos em Breu, eu o amei.
— Samira! — Joshua me tira dos meus pensamentos quando se aproxima. — Samira, posso ir com vocês?
Joshua e Matthew são gêmeos idênticos. Um completa o cérebro do outro. Joshua é mais civilizado e "responsável", Matthew é inconsequente, só quer aproveitar a juventude. A única diferença perceptível entre os dois, é o nariz quebrado e torcido de Matt. Os olhos cor de mel, a pele clara e o cabelo castanho claro, são idênticos. Inclusive o corte de cabelo, que chegam nos ombros.
Ambos são os mais novos da gangue.
— Fique aqui, Joshua. Vamos trazer teu irmão em segurança.
— Sam, por favor!
— Eu não aguento mais ouvir isso. — Resmunguei. Tirei o chapéu e esfreguei a testa. — Se convencer Sullivan, pode ir.
Ele jamais conseguiria, Joshua era jovem demais e imprudente para o mundo do crime, e Sully levava isso muito em consideração.
— Ele não vai concordar.
— Então, pronto! Fique aqui e faça algo de produtivo. Vamos trazer Matthew em segurança. — Joshua suspirou triste. Eu o entendo, afinal. Odiava estar fora de uma missão por ser jovem, mas isso passará com o tempo.
Zahid e Steven se aproximaram prontos.
Subo em Breu.
— E Joshua... — o garoto se virou para mim. — Quando voltarmos, vê se põe juízo na porcaria da cabeça daquele idiota.
Joshua sorriu e arranquei com Breu.
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Entre sangue e lealdade
Adventure"Até onde você é capaz de ir por lealdade, Samira?" Até onde você iria por alguém que o criou e o amou? Quem você mataria por fidelidade? O que você se tornaria por amor? Samira cresceu em meio a uma gangue de cowboys e se...