Primeiro e Único Ato

715 28 6
                                    


Parte da dificuldade do trabalho dos arqueologistas trata-se da grande maioria das coisas não perdurarem a passagem de tempo. Documentos, tecidos e até mesmo esculturas não resistem ao passar dos anos intactas. Dessa forma talvez a maior verdade que os arqueólogos já tenham descoberto no fundo seja que todas criações humanas um dia estragam.

Mas ledo engano prática quem acredita que apenas as criações materiais são corroídas pelas amarras temporais. Religiões, sistemas políticos e econômicos já foram varridos por completo, extintos e abandonados como um pequeno príncipe abandonou a sua cativa raposa um dia. Dessa forma como esperar que algo tão frágil como uma amizade resista?

Archie e eu fomos os melhores amigos um do outro desde que eu me conheço por gente. Éramos inseparáveis e achávamos que seria assim pra sempre, mas assim como um livro de Lewis Carroll o eterno foi eterno apenas o quanto durou. Cada vez mais Archie foi ficando popular: entrou para o time da escola, começou a ensaiar música e atrair o olhar das garotas. Enquanto isso cada vez mais eu me isolava: o esquisito com o pai criminoso e cujo a mãe o havia abandonado por algo melhor. É claro que o pai do Archie ter demitido o meu pai também não ajudou muito.

Me perguntava como, em uma virada clássica de Christopher Nolan, fui parar em um coxão no chão do quarto de Archie que estava deitado em sua cama sem camisa? Talvez a culpa da empreiteira de seu pai ter comprado o local que eu estava morando. A amizade podia não durar uma vida, mas a culpa sempre foi o sentimento mais resistente da espécie humana.

- Você sabe que não precisa dormir no chão, não é? - Diz Archiezinho como sempre bancando o bom moço.

- Tudo bem - Respondo - Acaba que dormir em superfícies planas faz bem pra coluna.

- Deixa de ser bobo Jughead - Retruca o ruivo - Tem espaço na cama pra nós dois.

Eu me levanto. Fazia tanto tempo que eu não dormia em uma cama. Existia algo em estar confortável que me incomodava profundamente. Quase como se estar confortável não fosse realmente meu estado natural.

Era como assistir a uma cena descontraída contida em um filme de terror. Você sabe que mesmo aproveitando a cena não pode baixar a guarda pois elas geralmente precedem os momentos de maiores tensões nos filmes.

Ainda assim, como uma garota loira em um filme de terror não podia evitar descer o porão para verificar qual era a origem do barulho que escutou em uma casa assombrada, eu nunca pude realmente resistir ao Archie.

Me deito ao seu lado.

- É estranho não é? - Ele diz.

- É... mas eu não sei exatamente o porquê.

- Antes a gente sempre dormia juntos, meus pais, antes de se separarem, deixavam a gente fazer varias noites do pijama... - Sou obrigado a esboçar uma risada - o que foi?

- "Noites do pijama", você vive fazendo eu me sentir uma garotinha de cinco anos de idade.

Ele se inclina na minha direção olhando agora para mim, seu rosto estava muito próximo do meu e em seus lábios havia um sorriso que me trouxe memórias de noites de verões que vivemos e outras que só existiram na minha fértil imaginação.

- E desde quando você liga de ser a minha mulherzinha?

...

Meu cérebro não sabe o intervalo entre a última fala do Archie e nossos lábios se tocando, nossas línguas em movimentos tão frenéticos que pareciam dirigidos pelo próprio Tarantino.

Archie se senta em cima de mim. Seu corpo branco parecia quase brilhar com a luz da lua que invadia o quarto pela janela, seus cabelos ruivos agora eram como brasas que me incendiavam. Era a melhor paleta de cores desde que Krzysztof Kieślowski dirigiu a trilogia das cores.

RIVERDALE - Apenas Por Um AtoOnde histórias criam vida. Descubra agora