Parte I - A Noite que a Ponte Caiu

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A manhã estava fria em Córcova. O topo do Monte do Abraço estava coberto por névoa. O outono já chegava ao fim. Mais alguns dias. Talvez uma semana. Catarina acordou. Ainda sentia sono, mas tinha muito trabalho a fazer. Os compradores chegariam de outras cidades para levar suprimentos antes do inverno. Acordou sua irmã mais nova, mas ela se recusou a levantar.

- Só mais um minuto – Mila falou, e colocou o travesseiro sobre a cabeça.

- Vamos, vamos – Cat insistiu – é hoje a excursão, se lembra? Acorde, se não perderá as carroças. – a irmã deu um pulo de cima da cama. – Vá se lavar e vista sua melhor roupa.

Na sala, sua vó já tinha se levantado e o chá matinal e o pão de trigo já estavam sobre a mesa. Não era nenhum banquete, mas era o que o salário de Catarina podia pagar. Deu uma mordida num pedaço de pão e tomou um pouco do chá amargo, e foi no quarto do pai.

Frederico Andra estava de cama há mais de um ano, desde que voltou da viagem para as Terras Negras Além do Lago. Antes disso fora um mercador famoso em toda a Província e fora atraído pelas preciosidades das Terras Negras. Ele sabia que Nitéria, a cidade negra, era conhecida por seus demônios. Ele escolheu isso. Tinha apenas 43 anos, mas a magia das Terras Além do Lago era maligna e pegava homens como plantas carnívoras pegam insetos. Catarina deu um beijo no rosto do pai moribundo e voltou à sala.

- Vó? A senhora tá bem? – a vó parecia dormir sentada. A senhora Pamela Andra já tinha mais de 120 anos e estava mais morta do que viva, mas com o pai debilitado, Cat sustentando a família e Mila sendo uma criança, ela era quem cuidava da casa durante o dia.

- Hãn? Violeta? Eu estou bem aqui minha filha – a vó disse, delirando. Ela sempre se lembrava da filha. Ela morreu para que Mila pudesse nascer, e a vovó nunca se esquecerá disso. Nem eu.

- Não vó, sou eu, a Catarina, sua neta. – se levantou e agachou-se ao lado dela. – preciso que a senhora leve Mila até a Praça Amarela para ela ir pra excursão até Bartiju. Cat verificou no estranho dispositivo na parede ao qual sua falecida mãe chamara marcador de tempo.

Ela costumava dizer que era uma invenção dos ancestrais, que viviam no velho mundo antes do expurgo. Aquele marcador não era o único dispositivo vindo das civilizações antigas. Haviam localizadores e comunicadores pelos quais era possível falar com alguém a longas distâncias. O ponteiro do marcador de tempo indicava que era hora de trabalhar.

- Sim Violeta, eu a levarei – Pam disse e Cat desistiu de corrigi-la.

- Não se preocupe com a volta, a carroça a deixará aqui. Eu já vou indo. Cuide do papai. – beijou a vó no rosto. Passou no quarto para se despedir de Mila e saiu.

Seu trabalho era vender frutas, legumes e grãos. O mercadão do Sr. Wenderson ficava do outro lado da cidade, nos pés das Montanhas de Névoa. Andou rápido pelas ruas de terra de Córcova. O distrito da Lama ficava a 30 minutos do Distrito das Pedras, nos pés da montanha, e se separava deste pelo Bosque dos Gritos, e pela ponte do Rio das Caras.

De onde estivesse na cidade poderia ver a grande estátua de pedra cinza com os braços abertos no Monte do Abraço. A população dizia representar um abraço ao novo mundo. Sua vó as vezes lhe dizia ser algo mais. Um antigo símbolo, um antigo deus esquecido.

As ruas estavam cheias apesar da neblina cinzenta. O mundo é cinza agora doce Cat, se acostume, costumava dizer sua mãe. O expurgo veio para limpar o velho mundo das imundícies, mas levou também a sua cor. Os homens vieram do norte querida, vermelhos e azuis, com promessas nas bocas e feitiços de fogo em seus pássaros de metal... O pensamento distraiu Cat.

Três Lobos Numa ClareiraOnde histórias criam vida. Descubra agora