CAPÍTULO 1 _ "Silly, queria ser você"

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  Nós crescemos ouvindo pessoas nos dizendo o que é, supostamente, certo ou errado, e dependendo do que seguimos, somos julgados de comportados ou levados.

  A infância também é a época que acontecem coisas que mudam nossa vida para sempre, eu acho que se eu não tivesse passado por tanta merda nessa época, eu não teria feito nada daquilo, ou pelo menos a metade, e sim, com certeza eu me arrependo, mas já é tarde demais, se eu tivesse outra opção, o que eu não tive, eu juro que eu a escolheria.

  Dos meus quatro primeiros anos de vida eu não tenho muitas lembranças, pelo menos nada além de gritos e choros, intercalados de soluços e gemidos, é como se o meu cérebro tivesse desenvolvido uma espécie de mecanismo de defesa, que me impede de lembrar de qualquer coisa daquela época, até acho melhor assim, hoje que entendo o motivo de todo aquele sofrimento.

  O meu pai, batia na minha mãe, todo dia, incansavelmente, até que um dia isso acabou, junto com a vida dela, que foi brutalmente assassinada pelo mesmo, com pancadas na cabeça, tudo isso na minha frente, e eu não pude fazer nada, e só pra piorar, enquanto ele a batia, ele gritava olhando para mim coisas como "você me fez fazer isso", ou até mesmo "É culpa sua", eu só sentia as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, e apertava cada vez mais forte minhas coxas, que já estavam a ficar roxas.

  Sinceramente eu não estava entendendo nada, só percebia que machucava, e que ela estava sentindo dor, então pedi pra que ele parasse de fazer aquilo, então ele me deu um soco no rosto, forte ao ponto de eu só acordar no outro dia pela manhã, com muita dor de cabeça, eu já não estava no sofá da sala, e sim na minha cama, que foi onde eu fiquei por dois dias seguidos, sem me levantar pra fazer qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, como se minha mente estivesse afundando, e meu corpo estivesse preso  alí.

  No terceiro dia eu passei a sentir fome, e muita sede, e todo aquela urina estava fedendo.
Logo eu tomei banho e troquei de roupa, agindo normalmente, exceto pelo fato da minha mãe não estar fazendo aquilo por mim, preferia imaginar que nada havia acontecido, mesmo sabendo que tinha.
Fui até a cozinha, e para chegar até ela, era preciso passar pela sala, lugar onde tudo aquilo havia acontecido, ao passar por lá vi meu pai sentado no sofá, com alguns amigos, e bebendo cerveja, em momento algum ele falou comigo, mas percebi o olhar de um de seus amigos pra mim.

  Eu passei rápido, peguei o que tinha de pegar e voltei pro quarto, onde eu comi e depois botei tudo pra fora.
Depois eu limpei tudo, inclusive a cama, a limpeza não ficou nada perfeita, mas dava pra viver ali, logo depois eu deitei na minha cama e senti falta de ar, mal sabia eu que aquela seria minha primeira crise de ansiedade, a primeira de muitas.
Eu fiquei estático naquela cama, novamente, e sentia minhas carnes tremendo, na procura de algo pra me tirar dali, olhei de relance para uma mesinha perto da porta, onde eu deixava o aquário da "Silly", minha peixinha, que estava morta por passar tantos dias sem comer, o que me fez sentir culpado por mais uma morte, algo que me fazia muito mal.

  Mas algo que eu senti além de culpa, era o desejo de estar no lugar dela, já imaginou se eu tivesse apenas morrido desde ali? então com a voz ainda baixa e sussurrada, eu desejei "Silly, queria ser você".

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