– Espere aí! Deixa eu ver se entendi direito o que vocês acabaram de me dizer. Eu recebi uma maldição ao nascer, vou cair em sono profundo por causa de uma roca e só serei acordada pelo beijo de um amor verdadeiro?
– É isso mesmo, Aurora. Nossa única esperança é que você não fure o dedo em nenhuma roca até que seu aniversário de 16 anos passe.
– Fadas, agradeço pela proteção durante todo esse tempo, mas não há qualquer chance de eu deixar que minha vida dependa de um amor desconhecido.
Foi naquele instante que Aurora teve a grande ideia.
– Segurem meu celular, fadas.
– Diga quando estiver pronta.
– Podem fazer a contagem.
– 3, 2, 1... Gravando!
– Olá, Aurora. Aqui é a Aurora. Pois é, você mesma... Ou eu... Se você está ouvindo isso, é porque acabou furando o dedo na tal roca amaldiçoada. Estou aqui para dizer que não será preciso esperar por um grande amor. Ele está dentro de você. Seu amor-próprio. Ou melhor, o meu amor-próprio por você. Quer dizer, por mim mesma. Não pode haver nada maior no mundo do que esse amor que cultivamos por 16 anos. Receba o meu, e seu, mais sincero beijo. E acorde logo.
Quando acabou de falar, Aurora se sentiu ainda mais amada. Por ela mesma. A princesa estava segura. Por mais doidas que as três fadas fossem, elas tinham feito um bom trabalho ao criar a garota. Não haveria sono profundo capaz de mudar isso.
Feliz da vida, a princesa despistou as fadas e correu até o castelo. Ela precisava rever o pai e garantir para ele que tudo ficaria bem: a maldição em seu nascimento, rogada pela tal Malévola, já tinha uma solução.
Mas foi só Aurora entrar no castelo para a curiosidade falar mais alto. Onde estariam as tais rocas? Ela desceu escadas, fez curvas pelos corredores e, enfim, foi achada pelo esconderijo dessas máquinas. Isso mesmo. Achada. Bastou um tropeço em coisa alguma, em um toque de pura magia, para que a porta mais secreta do castelo se abrisse. Ali estavam as rocas. Dedo espetado, sono iniciado.
Levou algumas horas para que as fadas dessem por falta da princesa e chegassem ao castelo. Elas quase se esqueceram de levar o celular.
– Isso não vai funcionar. Precisamos é de um príncipe de verdade – disse o rei ao ouvir das fadas a grande ideia de Aurora.
– Não custa tentar, senhor. Mal não há de fazer – respondeu uma das fadas.
– Apenas vigiem a princesa. Vou tomar as providências necessárias e arranjar logo um príncipe.
As fadas ficaram com medo de contrariar o rei e foram chorar no banheiro, deixando o celular ao lado da cama de Aurora.
Da janela, Malévola tinha escutado tudo. Seria uma afronta terrível se uma mensagem de celular vencesse a magia milenar que ela destilava há anos. Mas, tão curiosa quanto Aurora, Malévola entrou no quarto e pegou o telefone.
– Vamos ver, garota insolente, se a sua tecnologia é mais poderosa do que eu.
Levou mais de meia hora para que Malévola achasse o vídeo. O aparelho era mais complicado do que parecia. Quando ela finalmente pôs a mensagem para tocar, o rei e as fadas abriram a porta do quarto. E viram o que ninguém acreditava ser possível: aos poucos, Aurora despertou. Ela se sentou na cama e olhou para o relógio.
– Fiquei horas aqui deitada enquanto a solução estava a um toque do meu celular. O comportamento de vocês chega a ser ridículo!
Imediatamente, a princesa abriu o Google e digitou: melhor psicólogo do reino.
– Pai, fadas, Malévola. Tirem essas caras de espanto do rosto e liguem para este número. Lições para entender o que é amor-próprio aguardam por vocês.
O tempo passou. Aurora continuou cultivando os melhores sentimentos por si mesma: entrou na faculdade, se especializou em ciências políticas, teve alguns amores e chegou a se casar. Nem tudo foi um conto de fadas. Mas aquele recado no celular manteve o poder mais sincero da princesa sempre ativo. Com muito amor, de Aurora para Aurora.
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Cansei de ser princesa
Short StorySérie de (re)contos de fadas. Por aqui, a Cinderela não suporta sapatos de cristal, Branca de Neve não tem paciência para as maldades da madrasta e Aurora acha um absurdo que sua vida dependa de um beijo alheio.