Amarelo

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O leme descascado já não me causa euforia ou ansiedade, apenas uma melancolia incômoda. O convés, antes tão vivo e repleto de marinheiros esforçados, deixa agora o silêncio e o vento marítimo tomarem conta, cantando pelos corredores. Meu corpo é balançado de um lado para o outro no ritmo das ondas que batem no casco velho; tão velho e judiado pelo tempo quanto eu, com meus cinquenta e um anos de vida.

Chega a ser deprimente que o Coral Sombrio, um navio tão majestoso em seus anos de ouro, tenha um fim solitário assim.

Hoje eu me despeço do cargo de capitã, afinal trinta anos desbravando novas terras e comandando pirralhos inconsequentes já havia sido o suficiente para mim. E era surpreendente que isso estivesse acontecendo.

Ele costumava dizer que eu morreria dentro daquele navio; e talvez tivesse razão. Não conseguiria me ver em outro lugar. Eu nasci para navegar e ninguém pode mudar isso, no entanto a idade pesa nas costas e eu não tinha mais a firmeza de antes.

Depois que o perdi naquela maldita noite de tempestade, há onze anos, uma parte do meu coração afundou junto com o seu corpo no mar. A outra parte começou a doer tanto que preferi esquecer que existia, descontando toda a minha raiva e culpa em expedições perigosas na água.

Tentei por muito tempo não deixar a culpa me consumir, afinal fui eu que pedi para que ele deixasse a sua vida em Shikotan, e seguisse comigo e os meus colegas pelo mar.

Contudo, hoje, eu mereço deixar a ferida sangrar um pouco mais, afinal esse navio guarda histórias de amor de milhares de marinheiros, inclusive a minha. E, modéstia parte, é uma das mais bonitas.

Caminho pela madeira corroída escutando-a ranger alto com meus passos. Abri a porta adornada com belas sereias, entrando em minha cabine bagunçada. Eu não quero os mapas, ouro, joias, estátuas, roupas ou tesouros que estão espalhados e escondidos pelos cantos. Apenas um quadro me importa nesse lugar.

De tudo o que há no navio, eu só quero o primeiro quadro que ele pintou para mim.

Puxo o ar sentindo meus pulmões arderem com a força que realizei o ato, e apoio as mãos nos quadris. Analiso a obra completa sentindo o mesmo encanto de quando Neji havia me presentado com ela, gravando na alma cada pincelada certeira. As cores diversas causavam uma explosão de sentimentos e lembranças dentro de mim, congelando meu estômago e esquentando minha cabeça.

Depois dos nove dias esperando o resultado da obra, me surpreendi ao ver o que ele havia produzido. Reconhecia a minha figura jovem daquela época com um grande chapéu preto na cabeça e um vestido azul sem graça, sentada em um sofá marrom com o céu belamente pintado através da janela.

E no reflexo do vidro estava ele. Eternizado em cores, com os seus instrumentos à frente, e os olhos claros me esquentando.

Conseguia ser transportada ao passado olhando aquela pintura. Nós dois estávamos ali e eu não precisava de mais nada.

Lembrei-me de quando ele disse que cada cor representava um sentimento, e que cada toque nosso tinha uma diferente para descrevê-los.

Sua mão na minha cintura era laranja, algo enérgico e estimulante.

Sua boca na minha era vermelho, uma excitação forte e um amor ardente.

Os nossos abraços eram verde, representando a proteção e a segurança.

Os selinhos eram branco, exalando pureza e tranquilidade.

Nossos dedos entrelaçados eram roxo, em uma tranquilidade agradável.

Os sorrisos durante o beijo eram rosa, completamente inocentes.

Entretanto uma das minhas cores preferidas nunca havia sido citada, mas hoje ela tem o significado mais importante para mim: o nosso reencontro será amarelo, repleto de alegria e jovialidade.

E assim, tentando encontrar o meu Neji nos pequenos detalhes do dia a dia, consigo o manter mais vivo dentro de mim. Estando longe de sua presença física, me sinto um quadro em branco aguardando as suas cores para ser colorida de novo.

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